Sem documentos exigidos pela FGV, comunidade de pescadores tem dificuldades em cadastramento para auxílio após rompimento da Vale 

Paraíso é uma comunidade em Felixlândia com cerca de mil ranchos que têm a pesca como principal atividade; Moradores e moradoras vêm passando dificuldades financeiras e de saúde após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho. 

O rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, segue afetando diretamente a vida de pessoas que vivem a centenas de quilômetros de onde o desastre-crime aconteceu. É o caso de quem mora em Paraíso, comunidade localizada às margens do reservatório da Represa de Três Marias no município de Felixlândia/MG. Mesmo sendo consideradas como atingidas pelo rompimento a partir dos critérios do Acordo Judicial firmado em fevereiro de 2021 entre o Poder Público e a mineradora, essas pessoas não estão conseguindo as comprovações exigidas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para receber o Programa de Transferência de Renda (PTR) como garantia de condições materiais enquanto aguardam pela reparação integral.  

Para representar a situação dessas pessoas, o Instituto Guaicuy lançou, no final de 2022, o mini documentário “Paraíso: comunidades pesqueiras atingidas pela Vale buscam reparação”com diversos depoimentos sobre a situação.  

*O Programa de Transferência de Renda é um valor mensal pago às pessoas atingidas pela Vale que se enquadram nos critérios territoriais definidos pelas Instituições de Justiça que as representam no processo (Defensoria Pública de Minas Gerais, Ministério Público de Minas Gerais e Ministério Público Federal). Desde novembro de 2021 as análises dos pedidos, cadastros e pagamentos são de responsabilidade da FGV, gestora do programa. 

Paraíso é um lugar que tem a pesca como principal atividade econômica, tendo sofrido diretamente os impactos do rompimento da barragem da Vale, causando insegurança sobre a qualidade de sua água e ecossistema. Conforme relatos colhidos para o documentário, depois do rompimento surgiu a insegurança em relação à qualidade da água da represa, o que também diminuiu drasticamente a presença de turistas na região, dificultando a comercialização dos peixes e obrigando muitos moradores a se deslocarem em busca de outras oportunidades de emprego. Eles também relatam diversos problemas de saúde emocional e física de parte da comunidade após os mais de 13 milhões de  metros cúbicos de lama serem despejados no Rio Paraopeba.

A comunidade não conta com o atendimento de serviços públicos na localidade, inclusive não há fornecimento de água e energia elétrica pela via pública, o que inviabiliza a comprovação documental pedida pela FGV para o cadastro no Programa de Transferência de Renda (PTR). “Às vezes você não tem um documento que comprova que você está lá, mas se eles andassem, fazendo as sindicâncias eles realmente iriam saber quem está lá, quem pesca, quem vive ali, entendeu? Eu acho que não precisava de ser… de você ter um documento quase impossível, que é o que estão exigindo. Como você vai ter um documento de um terreno que não é seu? Você mora ali de favor… você não tem água. Lá nós não temos água encanada, nós não temos energia. Como você vai comprovar que você mora ali? Como que uma pessoa vai chegar de um dia para o outro, fazer uma casa, plantar uma árvore e de um dia pro outro ela vai dar frutos?”, diz dona Geralda, moradora de Paraíso, para o documentário do Instituto Guaicuy. 

Problemas com o cadastro
Conforme explica a Coordenação de Direitos das Pessoas Atingidas do Instituto Guaicuy, o Programa de Transferência de Renda (PTR)  tem um recorte territorial, as chamadas poligonais. Esse recorte considera como critério para o recebimento do valor mensal apenas as comunidades distantes até um quilômetro do rio Paraopeba ou às margens da Represa de Três Marias. “O endereço que consta na maioria dos comprovantes apresentados em Paraíso é da sede de Felixlândia (que não está incluída nestas poligonais). Isso se explica pela natureza do vínculo estabelecido pelas pessoas desta comunidade com o local, uma vez que são, em boa parte, pescadores artesanais que ali vivem na maior parte do ano para o exercício de suas atividades profissionais e manutenção de laços comunitários, mas que retornam para a sede da cidade quando iniciada a piracema (período de reprodução dos peixes), na qual é proibido realizar a pesca”, explica Paula Constante, coordenadora da equipe. 

De acordo com Enya Barros, analista de direitos do Guaicuy, para que exista a possibilidade de as pessoas atingidas alcançarem a reparação de seus direitos violados, como mostra o documentário, é necessária a flexibilização da relação de documentos a partir da criação de um rol extensivo, pautado num olhar humanizado sobre a realidade das comunidades. “A comunidade de Paraíso já sinalizou em distintos espaços e para diversas instituições a inexistência dos documentos solicitados pela gestora do programa – inclusive para a própria FGV, na análise documental e cadastramento realizados por esta em 2022, apresentando outros comprovantes para fins de inclusão no PTR. Não se sabe, contudo, se estes serão considerados hábeis. O resultado da recusa de formas alternativas de documentação compatíveis com a realidade de Paraíso poderá retroalimentar a vulnerabilidade social do território e impedir o acesso da comunidade ao PTR”.

Sobre o Instituto Guaicuy

Criado no ano 2000 por pesquisadores, professores e ativistas sociais que atuavam no projeto Manuelzão (UFMG), o Instituto Guaicuy é uma entidade não governamental associativa, cultural e técnico-científica sem fins lucrativos. Seu trabalho é desenvolver ações socioambientais, culturais e educativas voltadas para a preservação e recuperação ambiental, para a promoção da saúde e da cidadania. 

Atualmente, o Guaicuy acompanha o processo de levantamento de danos e reparação das regiões 4 (Curvelo e Pompéu, na Bacia do Paraopeba) e 5 (região da represa de Três Marias: Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté, Três Marias), afetadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. O objetivo principal das Assessorias Técnicas Independentes é garantir o acesso à informação e auxiliar as pessoas atingidas a participar de maneira adequada no processo de reparação dos danos que sofreram, para que possam buscar seus direitos individuais e coletivos. 

O instituto também presta assessoria técnica para a comunidade de Antônio Pereira (distrito de Ouro Preto), que convive nos últimos anos com o risco de rompimento da barragem de Doutor, também pertencente à Vale. Além disso, o Guaicuy conduz o Cultivando Águas, projeto que tem objetivo de divulgar tecnologias sociais de captação de água da chuva (construção de cisternas de uso coletivo).

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui