Começamos hoje uma série de artigos da Coordenação de Saúde e Assistência Social do Instituto Guaicuy. Nesses textos, vamos dialogar com os profissionais de saúde e pesquisadores do território sobre como o rompimento afetou a saúde das pessoas atingidas e também intensificou problemas e vulnerabilidades das comunidades.
Após dois anos do Rompimento da Barragem de Brumadinho, transcorrido os impactos imediatos e diretos do rompimento, ou seja, aqueles que conseguem impressionar os olhos, há impactos residuais e de importante significado para um número grande (para não dizer inquantificável) de pessoas que vivem em torno da Bacia do Paraopeba. Dentre esses impactos, se encontram os danos a saúde humana e a intensificação das vulnerabilidades sociais, advindos dos desdobramentos do impacto ambiental e das restrições relacionadas ao acesso e/ou insuficiência e qualidade de água e aos ciclos ou cadeias produtivas que impactam na saúde e a qualidade de vida das pessoas atingidas.
Os impactos relacionados à saúde possuem como traço distintivo a sua dinamicidade e complexidade. São dinâmicos porque esses impactos se alteram, se multiplicam, e se acumulam ao decorrer do tempo, são considerados “crônicos” e comumente são imperceptíveis nas suas fases iniciais, excetuando as emergências clínicas e os danos à saúde mental. Porém, de modo progressivo implicam em um aumento da predisposição a outras doenças e agravos, intoxicações exógenas por metais pesados e a intensificação de situações de violências e uso prejudicial de álcool e outras drogas, tal como em um aumento da mortalidade da população atingida que vivencia essa realidade. São complexos, pois atuam de modo transversal criando e intensificando vulnerabilidades em saúde e sociais.
Em situações de desastres como o ocorrido no rompimento da barragem da empresa Vale em Brumadinho, comunidades e pessoas têm suas vidas alteradas com um decréscimo sistemático da qualidade de vida, podendo levar a diferentes questões de saúde, de acordo com o contexto e com as vivências pessoais de cada indivíduo.
Do mesmo modo, são prejudicados do ponto de vista da saúde também pela carga contínua de estresse físico e mental que pode ser desencadeada seja pelas perdas de um ente ou amigo querido ou seja pelas novas rotinas impostas pela alteração radical nas diversas dimensões da vida (perda de trabalho e atividades produtivas, alteração de rotinas de lazer e bem-estar, interrupção do uso da água, inseguranças acerca do seu modo de viver e experimentar a vida). Aqui, ressalta-se especialmente as mulheres, que vivenciam sobrecarga em suas rotinas, comprometendo de forma singular a qualidade de vida, que por consequência impactam de forma relevante a qualidade de vida de crianças, adolescentes e idosos, visto que as mulheres, socialmente e culturalmente, são as que “cuidam” dos seus. As rupturas e fragilização dos laços familiares e comunitários também são realidades que se expressam nesse contexto desencadeando graves efeitos.
A complexidade dos danos na área da Saúde aponta a necessidade de se realizar uma compreensão mais abrangente dos impactos e danos à saúde, para garantir uma reparação integral aos atingidos. A ultrapassada ideia de saúde como “ausência de doença” precisa ser superada com a finalidade de permitir uma identificação adequada dos danos diretos à saúde da população atingida bem como os desdobramentos e sobreposição de condições que estão associadas ao desastre, como mostra o protocolo sobre a Avaliação de Riscos à Saúde Humana (Ministério da Saúde, 2010)
Assim, para o Guaicuy, a “Saúde é um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social” (OMS, 1988) e é “resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de saúde. É resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida” (8ª Conferência Nacional de Saúde). Somente a partir dessa perspectiva abrangente e (eco)sistêmica podemos compreender a extensão dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Brumadinho. Compreender a Saúde prioritariamente como “Qualidade de Vida” é garantir que a complexidade inerente a este bem jurídico garantido pela Constituição de 1988 será considerado na reparação integral de todos e todas atingidos e atingidas.
A triste experiência com desastres ligados a Mineração em Minas Gerais, aponta as interligações entre os rompimentos de barragens e a saúde humana tais como os relacionados ao aumento dos Transtornos Mentais (como por exemplo Depressão, Ansiedade) e com isso o aumento da utilização de remédios controlados, ao aparecimento de dermatites relacionados ao uso da água contaminada com rejeitos, ao acréscimo de casos de diarreias, gastroenterites, doenças de veiculação hídrica, arboviroses (Zika, Dengue, Chikungunya, Febre Amarela), ou aumento de condições crônicas (como por exemplo, “Pressão Alta”, Diabetes, dores osteomusculares e reumáticas.
É relatado também um maior número de diagnósticos relacionados a doenças causadas por parasitas, e até mesmo doenças que atingem o Sistema Nervoso Central, bem como intoxicação por metais pesados e demais rejeitos. A figura 1 demonstra os potenciais efeitos relacionados aos impactos e riscos causados pelo desastre da Empresa Samarco, em Mariana, Minas Gerais, porém esses efeitos já foram previamente identificados, na população atingida pelo desastre da Vale em Brumadinho (Ministério da Saúde, 2020) levando em conta as especificidades da Bacia do Paraopeba.
Nos próximos textos, falaremos de cada questão de saúde previamente identificada nos atendimentos psicossociais e clínicos do Instituto Guaicuy. Nós não descansaremos até o reconhecimento dos impactos do rompimento na saúde humana, visando propiciar a reparação integral de todos os atingidos. Até o próximo texto!
Coordenação de Saúde e Assistência Social do Instituto Guaicuy
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