A reunião ocorreu nessa quarta-feira (15/06) e contou com a presença de representantes das cinco regiões atingidas pelo desastre da Vale, das Instituições de Justiça e da FGV, gestora do PTR
Para prestar informações sobre o Programa de Transferência de Renda (PTR), referente ao Anexo 1.2. do acordo judicial, e aprofundar a escuta das comunidades em relação ao tema, o comitê de compromitentes realizou um encontro virtual com as pessoas atingidas.
A reunião ocorreu na última quarta (15) e contou com a presença de mais de 570 participantes, incluindo pessoas das comunidades atingidas das 5 regiões e representantes das 3 Assessorias Técnicas Independentes da Bacia do Paraopeba e Lago de Três Marias (Aedas, Nacab e Guaicuy). A Fundação Getúlio Vargas (FGV) também esteve no encontro a convite das Instituições de Justiça para esclarecer as principais dúvidas durante o evento, que foi mediado pela Defensora Pública do Estado de Minas Gerais, Dra. Carolina Morishita. Participaram ainda o representante do Ministério Público Federal, Dr. Edilson Vitorelli e a Dra. Shirley Machado, do Ministério Público de Minas Gerais.
A Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos da Tragédia do Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão Brumadinho, a AVABRUM, cobrou por respostas mais rápidas dos canais de atendimento da FGV. “Pedimos, com máxima urgência e com total prioridade, a regularização dos pagamentos devidos,” reforçou Dona Maria Regina Silva, representante da associação.
Participantes das 5 regiões atingidas se manifestaram durante o evento representando as dúvidas de suas comunidades. Houve dúvidas também no chat ao vivo, especialmente quanto:
-Funcionamento dos canais de atendimento da FGV para o PTR;
-Comunidades que serão atendidas;
-Poligonais (mapa com as comunidades que estão aptas a participar do PTR);
-Recadastramento de pessoas que tiveram seu pedido negado ou injustificadamente bloqueado;
-Se haverá presença física de profissionais da FGV nos territórios para facilitar o acesso das pessoas atingidas ao cadastramento;
-Quais documentos poderão ser utilizados para comprovação de atendimento dos critérios do programa e;
-Cronograma para novos cadastros nas regiões onde o PTR ainda não chegou.
A defensora pública Carolina Morishita garantiu, ao longo da reunião, que as dúvidas e questões expostas no chat seriam devidamente anotadas e apresentadas às Instituições de Justiça e à FGV, e que os comentários são fundamentais para aprimoramento dos procedimentos do PTR e melhoria dos materiais de comunicação: “a gente tem o compromisso, sempre, de absorver o que as pessoas atingidas estão trazendo, de trabalhar a nossa comunicação para que as informações cheguem a todas e todos, para que tenham verdadeiro acesso à informação”, afirmou a defensora. Ainda de acordo com Morishita, os questionamentos serão respondidos em outras comunicações.
As reivindicações das comunidades das Áreas 4 e 5 quanto ao PTR
Roziane Chaves (Rozinha), moradora de Angueretá, Curvelo, que representou a àrea 4, considera que o Programa de Transferência de Renda é uma vitória para sua comunidade, que foi muito impactada, pois dependia do rio para viver. Ela pede que não haja demora no cadastramento, pois tem pessoas com sofrimento mental, idosos, cadeirantes e demais pessoas com dificuldade de acesso ao cadastramento virtual e que estão esperando ansiosas pelo PTR.
“Há três anos e meio tem gente que está sem renda, sem rio e sem peixe. Temos muitos idosos, analfabetos, pessoas que não tem acesso à internet ou ao telefone, é preciso um cadastramento presencial, com pessoas que falam a língua da comunidade, que não falem tanta linguagem técnica para as pessoas poderem compreender o que está acontecendo”, afirmou Rozinha.
Representando a região 5 – que ainda não possui previsão para o início do cadastramento no programa – Anilson dos Santos Hanauer (Cacá), de Felixlândia, pergunta quando o PTR chegará na região e fala dos problemas existentes quanto à dificuldade da comprovação de domicílio, uma vez que vivem em moradias transitórias, conforme o defeso.
Anilson afirma ainda que a região 5 é enorme e de difícil acesso: “muitas comunidades não têm acesso à internet, se precisar de um cruzamento de dados [com sistemas do governo, por exemplo], é impossível”. E questiona: “qual estrutura a FGV está montando para o PTR em nossa região? Terá equipe em Felixlândia, Morada Nova de Minas, Três Marias, pra agilizar? Nós pescadores e o pessoal da piscicultura não estamos conseguindo vender os peixes para ‘se’ manter. Estamos cobrando agilidade. Há pessoas que já são de idade bastante elevada e não conseguem fazer outra coisa, estão abandonando a profissão. Quando vai chegar o PTR? ”, pergunta.
Marcela Galvani Borges e Rodrigo Gonçalves, representantes da coordenação do Núcleo de Relacionamento do PTR da Fundação Getúlio Vargas, informaram que, apesar da dificuldade na contratação de pessoal para atendimento a todas as comunidades, haverá pessoal da Fundação para atendimento presencial às pessoas atingidas e que está sendo preparada uma estrutura que contemple as especificidades de cada comunidade. Nesse sentido, esclareceram que estão sendo feitas visitas e contato preliminar ao cadastro para que haja a “construção de um processo humanizado de inclusão”.
Povos e Comunidades Tradicionais e Povos de Religião Ancestral de Matriz Africana
Carlos Henrique Moreira dos Santos, Pai Riquinho de Oxóssi, do Terreiro de Umbanda Oxóssi Sultão das Matas, da comunidade Quilombola de Pontinha, localizada na região 3, manifestou as dificuldades que a comunidade está passando desde o rompimento, especialmente no que diz respeito à comprovação para o PTR: “estamos de mãos atadas, fomos prejudicados em tudo. Nós, povos tradicionais, sem a natureza, sem a água, sem o rio, a gente não é nada. Pra nós tudo da natureza é de suma importância: a água, as ervas, as folhas. Não podemos mais fazer nossos trabalhos, nossos rituais. A nossa simbologia, o que cultuamos, está dentro da natureza. Como vamos provar? São coisas que não podem ser vistas, Oxum tá lá no rio! Como provar que Deus existe? Nanã tá lá, as Iabás, Iansã, Oxóssi tá nas matas. As ervas que eram encontradas na beira d’água são nossos medicamentos, as raízes, a água é cura. Quando tudo está contaminado, o orixá deixa de habitar ali. Como eu vou colocar na minha quartinha uma água contaminada e cheia de resíduo? Quando o rio morre, o orixá deixa de habitar ali! Temos direitos iguais a pessoas que já receberam valores altos”, informou Pai Riquinho.”
O líder religioso sugeriu ainda a visita da FGV ao Terreiro para conhecer e compreender como as comunidades e povos tradicionais foram atingidos: “Vamos trazer as autoridades para dentro de casa!”
A representante da Defensoria Pública, Carolina Morishita, afirmou que é “muito importante que nós reconheçamos os Povos e Comunidades Tradicionais que estão nos territórios, são parte essencial do processo de reparação e que têm que ter reconhecidos e garantidos todos os seus direitos, assim como todas as pessoas atingidas”. A defensora mencionou ainda que “nesse processo coletivo é essencial registrar que nunca o reconhecimento do direito de uma pessoa atingida é obstáculo ou empecilho para que outra pessoa atingida seja atendida também” e isso é um dever constitucional, e não uma opção do Estado ou das instituições de justiça.
Marcela Galvani, da FGV, reforçou que a premissa maior é que cabe à Fundação respeitar, sob as legislações nacionais e dos tratados internacionais, a autoidentificação e autodeterminação dos povos e comunidades tradicionais: “estando dentro do território atingido, nós vamos respeitar todos os protocolos de consulta, assim como estamos fazendo com o quilombos, com os indígenas. Estamos à disposição para começar o atendimento”, afirmou.
“Temos a logística de atendimento e equipamentos que independem de internet que tem maior durabilidade de bateria, para o caso de não ter energia elétrica. Temos estrutura de tendas e mesas e as nossas equipes irão em todas as comunidades. Todas as comunidades serão atendidas presencialmente (…). Isso é uma garantia, e vamos voltar quantas vezes forem necessárias para atender todas as peculiaridades e todas as demandas das comunidades”, completou a representante da FGV.
Ao final do evento, a defensora e mediadora do evento, Dra. Carolina, reiterou que as perguntas do chat serão respondidas em materiais de divulgação e retomou pontos importantes sobre o PTR, dentre elas a revisão dos cadastros rejeitados pela Vale podem ter seu pedido revisto pela FGV, que é a atual gestora do Programa de Transferência de Renda (PTR); que os critérios para o PTR foram construídos com base em 166 reuniões realizadas com as pessoas atingidas; e que o programa tem que ser gerido de forma a garantir que as pessoas que efetivamente têm direito ao PTR sejam incluídas no programa.