Pesquisa realizada pelo Instituto Guaicuy, em parceria com a consultoria CAMPO, buscou identificar e mapear os danos aos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) e Povos de Religião de Matriz Africanas que vivem nas regiões assessoradas pelo Guaicuy. Agora, o Instituto divulga os resultados dos levantamentos e os danos sofridos com o rompimento.
Entre os meses de maio e julho de 2022, o Instituto Guaicuy, em parceria com a empresa de consultoria Cultura, Meio Ambiente, Patrimônio Cultural (CAMPO), percorreu territórios das regiões 4 e 5 para identificar e mapear potenciais comunidades e grupos pertencentes aos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) e aos Povos de Religião Ancestral de Matriz Africana.
Além do mapeamento, a pesquisa teve como intuito realizar levantamentos dos danos que esses povos e comunidades são forçados a conviver desde o rompimento da barragem da Vale, ocorrido em Brumadinho em janeiro de 2019.
Como Povos e Comunidades Tradicionais, consideramos a determinação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) define:
“(…) Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Decreto 6.040/2007, Art. III).
Deste modo, os Povos e Comunidades Tradicionais, incluindo os Povos e Comunidades de Matrizes Africanas, são reconhecidos pelas leis brasileiras enquanto grupos que têm direitos específicos dado às relações tradicionais e ancestrais que mantêm com as comunidades em que vivem e com a natureza.
Até o ano de 2022, no Brasil, foram reconhecidas 28 categorias identitárias de PCTs. São eles: povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades de terreiro/ povos e comunidades de matriz africana, povos ciganos, pescadores artesanais, extrativistas, extrativistas costeiros e marinhos, caiçaras, faxinalenses, benzedeiros, ilhéus, raizeiros, geraizeiros, caatingueiros, vazanteiros, veredeiros, apanhadores de flores sempre-vivas, pantaneiros, morroquianos, povo pomerano, catadores de mangaba, quebradeiras de coco babaçu, retireiros do Araguaia, comunidades de fundo e fecho de pasto, ribeirinhos, cipozeiros, andirobeiros e caboclos.
Assim como os demais PCTs, o rompimento da barragem da Vale vem obrigando os Povos e Comunidades de Matrizes Africanas a conviverem com inseguranças relacionadas à qualidade das águas e das vegetações que crescem ao redor e às margens da represa. Ao serem populações que constroem uma íntima relação com os territórios em que vivem, o meio ambiente faz parte do processo de construção da identidade das comunidades: é de onde originam os modos de sustento, subsistência e, também, onde realizam práticas culturais e religiosas.
Resultados
Com a pesquisa de PCTs, foram identificados 31 Povos e Comunidades Tradicionais nas regiões 4 e 5. Além do povo indígena Kaxixó (Pompéu) e o Quilombo Saco Barreiro (Pompéu), foram identificadas:
- Olhos D’água dos Crioulos, em Martinho Campos (Pompéu);
- Quilombo Negros da Mata (São Gonçalo do Abaeté);
- Comunidade Cigana Calon (São Gonçalo do Abaeté e Três Marias);
- 8 grupos que fazem parte da rede de barranqueiros ribeirinhos do Alto Rio São Francisco;
- 18 comunidades de religião de matriz africana em Curvelo, Pompéu, Três Marias, Abaeté e Morada Nova de Minas.
Foram identificados pelo levantamento 18 povos de religiões de matriz africana nas regiões assessoradas pelo Guaicuy que podem ter sofrido danos ocasionados pelo rompimento.
São eles:
Tabela – PCT de Matriz Africana
Município | Terreiro |
Pompéu | Terreiro de Umbanda Pai Ogum Megé (TUPOM) |
Pompéu | Centro Espírita São Sebastião |
Pompéu | Tenda Espírita Mãe Iansã da Cachoeira |
Pompéu | Tenda Espírita Pai Ogum Rompe Mato |
Pompéu | Casa de Vovó Sebastiana da Bahia |
Pompéu | Tenda Espírita Ilê Axé Luz de Guia |
Curvelo | Igreja Espírita Umbandista São Jorge |
Curvelo | Tenda de Umbanda Casa de Caridade de Oxóssi e Oxum, Nossa Senhora da Conceição e São Sebastião |
Curvelo | Nzo Ndanji Kat´Spero Kilanda Menha a Nganga Oximiú |
Curvelo | Tenda Espírita Tia Rita de Moçambique |
Três Marias | Tenda de Umbanda Vovô Nazário do Cruzeiro |
Abaeté | Casa dos Ventos |
Casa de Caridade Cruzeiro Divino | |
Casa de Quimbanda Sete Marias | |
Guarda de Congado Filhos de Maria – Casa dos Ventos | |
Guarda de Congado Estrela do Rosário – Casa de Caridade Cruzeiro Divino | |
Morada Nova de Minas | Casa de Caridade Maria Baiana |
Tenda de Umbanda Rei Congo |
Também foi identificado ao longo dos territórios a presença de muitas pessoas que praticam ofícios tradicionais, como pescadoras artesanais, raizeiras e benzedeiras.
A pesquisa apontou que, de forma geral, após o rompimento da barragem da Vale, as comunidades tradicionais e as pessoas praticantes de ofícios tradicionais identificadas nas regiões 4 e 5 sofreram alterações consideráveis em sua vida. Gabriela Fernandez, coordenadora de Pesquisa em Ciências Sociais do Instituto Guaicuy, explica que as alterações se relacionam intimamente com os modos de ser das comunidades: “Diversos tipos de danos foram levantados pelos PCTs, como, por exemplo, danos ao uso da terra, à espiritualidade, à realização de festas e à transmissão de saberes entre gerações. Com o rompimento, esses grupos sofreram alterações na sua forma de conviver, seja com a própria comunidade, seja com a família ou com elas mesmas”, afirma.
Essas alterações são resultado da contaminação e das consequências do rompimento, que vem gerando incertezas em relação à reparação, morosidade nas respostas sobre a qualidade e situação do meio ambiente e da água. É, também, ocasionado pela restrição do uso dos recursos naturais, pela perda de renda e tantos outros danos específicos que vêm incidindo sobre esses povos e comunidades.
Entenda os objetivos da pesquisa
A pesquisa foi realizada pela consultoria CAMPO, especializada em levantamento de danos materiais e imateriais de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), que percorreu os territórios sob a orientação da Coordenação de Pesquisa em Ciências Sociais do Instituto Guaicuy.
Entre os objetivos, está a identificação dos Povos e Comunidades Tradicionais e Povos de Religião Ancestral de Matriz Africanas das regiões 4 (Pompéu e Curvelo) e 5 (região da represa de Três Marias e comunidades do São Francisco que estão localizadas em Três Marias e São Gonçalo do Abaeté).
O estudo buscou caracterizar o perfil socioeconômico e cultural dessas populações e levantar os danos específicos sofridos em função do rompimento da barragem da Vale.
A caracterização e o levantamento dos danos específicos dos Povos e Comunidades Tradicionais e Povos de Religião Ancestral de Matriz Africana auxiliarão o Guaicuy a fundamentar a Matriz de Danos e Reconhecimento e, assim, apoiar as comunidades atingidas na luta por uma reparação justa e integral.
Como a pesquisa aconteceu?
O planejamento metodológico e a execução da pesquisa foram estruturados pelo Setor de Pesquisa em Ciências Sociais e pela consultoria CAMPO a partir de uma lista inicial de 30 possíveis povos e comunidades tradicionais a serem consultados nas duas regiões assessoradas pelo Guaicuy.
Entre maio a junho, o Guaicuy acompanhou a consultoria CAMPO na identificação e mapeamento de potenciais comunidades de PCTs. A pesquisa foi organizada em três etapas: a primeira, entre maio a junho de 2022, teve como objetivo identificar atores-chave e lideranças, além de realizar o mapeamento de novos grupos de PCTs.
Posteriormente, entre junho e julho, o estudo voltou-se para a caracterização dos PCTs com o suporte de entrevistas. A última etapa, realizada de julho a agosto, teve como objetivo realizar reuniões coletivas para o levantamento de danos específicos e a consolidação dos danos aos Povos e Comunidades Tradicionais ocasionados pelo desastre-crime da Vale.
Como resultado do trabalho, entre os meses de setembro a outubro, foi desenvolvido um Relatório Final de Levantamento de Danos, em que foram estruturadas análise histórica, cultural e legal, além do levantamento dos danos.
Agora, a partir dos resultados dessa pesquisa, o Instituto Guaicuy espera auxiliar os Povos e Comunidades Tradicionais na luta pela reparação e pelo direitos de existir e continuar em seus territórios.