Guaicuy realiza pesquisa com Povos e Comunidades Tradicionais e Povos de Religião Ancestral de Matriz Africana

Com o intuito de identificar os Povos e as Comunidades Tradicionais (PCTs) e Povos de Religião Ancestral de Matriz Africana que foram atingidos nas regiões assessoradas, o Guaicuy avança para a terceira fase da pesquisa que é realizada através da Consultoria CAMPO.

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Busto de Santa Sara Kali, padroeira do Povo Cigano. Foto: Laura Alice Silva/Instituto Guaicuy

O plano de atuação foi estruturado pelo Setor de Pesquisa em Ciências Sociais e pela consultoria a partir de uma lista inicial de 30 possíveis povos e comunidades tradicionais a serem consultados nas duas regiões* assessoradas pelo Guaicuy. Foram previamente identificados: povos indígenas, comunidades quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhos, povos e comunidades de terreiro e povos e comunidades de religião ancestral de matriz africana. 

*região 4 (Pompéu e Curvelo), 5 Leste (Felixlândia, Três Maria s e São Gonçalo do Abaeté) e 5 Oeste (Morada Nova de Minas, Abaeté, Biquinhas, Paineiras e Povo Kaxixó de Martinho Campos).

As fases da pesquisa

A consultoria teve início em abril, com a elaboração do Plano de Trabalho. Em maio, tiveram início os trabalhos de campo, divididos em três fases. Na primeira fase, caracterizada pelos campos de identificação, a equipe da Consultoria Campo, acompanhada por técnicos do Guaicuy, percorreu as comunidades previamente identificadas em todo o território assessorado pelo Guaicuy. Durante essa atividade, os pesquisadores se apresentaram e apresentaram a pesquisa, realizando um diálogo espontâneo com os interlocutores de cada localidade, estabelecendo uma conversa de aproximação que permitiu compreender informações sobre o modo de vida local e a possibilidade de retorno para a próxima etapa do estudo. 

No segundo momento, chamado de  campo de caracterização, foram realizados os  diálogos e entrevistas em profundidade com as pessoas de referência para compreender as histórias de vida, as relações e tradições das comunidades. Esta segunda fase foi finalizada no início de julho. As entrevistas, sempre que possível, foram associadas a percorrimentos por lugares de referência para os moradores das localidades ou comunidades, com o objetivo de compreender as relações entre modo de vida das pessoas e território.

Na terceira etapa, a ser realizada entre os dias 19 a 27 de julho, acontecerão os campos de levantamento de danos. Nesta fase, serão trabalhados de modo aprofundado alguns aspectos identificados durante as fases anteriores que podem indicar relação com danos decorrentes do rompimento da barragem de Brumadinho. Alguns dos PCTs e povos de religião ancestral de matriz africana serão convidados a participar de dinâmicas coletivas, como DRP (Diagnóstico Rápido Participativo), percorrimentos e  diálogo com grupos focais.

Após a terceira fase de campo, a consultoria sistematizará o material coletado ao longo dos três momentos para consolidação da caracterização e do levantamento dos danos. Michelle de Paula, Analista da coordenação de Pesquisas em Ciências Sociais do Instituto Guaicuy fala que a ideia do estudo é conseguir qualificar a leitura dos danos sofridos pelas comunidades tradicionais e utilizar as informações da pesquisa para compor a Matriz de Danos.

A previsão de entrega da pesquisa consolidada pela Consultoria CAMPO é para o mês de setembro. De posse desse material, o Guaicuy irá programar as devolutivas dos resultados obtidos para as comunidades.

Povos de Religião Ancestral de Matriz Africana

O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho trouxe para os Povos e Comunidades Tradicionais de Religião Ancestral de Matriz Africana problemas que passam pela dúvida em relação à qualidade da água e das plantas que crescem ao redor e às margens da represa. A consultoria identificou cerca de 15 povos de religiões de matriz africana na região assessorada que podem ter sofrido danos.

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Ofertas aos orixás na Tenda Umbandista Rei Congo. Foto: Laura Alice Silva/Instituto Guaicuy

Rafael Vicente, da equipe de direitos das pessoas atingidas do Instituto Guaicuy, explica que os povos e comunidades tradicionais passam, historicamente, por processos de exclusão sociocultural e econômica no processo de construção do estado brasileiro, e que o reconhecimento desses povos é resultado de muita luta por direitos e por reconhecimento.

“Ainda temos a invisibilidade e marginalização desses povos, muitas vezes com o racismo como plano de fundo. Existem danos materiais, mas existem também danos extra materiais de natureza subjetiva, como o dano à fé, à prática do culto, dano sofrido pela crença”.

Rafael Vicente Corrêa Lucas, advogado popular do Instituto Guaicuy

De acordo com o advogado popular do Instituto Guaicuy, os povos e comunidades tradicionais têm uma ligação extremamente particular, íntima e de completude com o território, que não se restringe ao espaço geográfico, sendo parte do processo de construção de identidade das comunidades e das pessoas, de onde tiram seu sustento, subsistência, e onde podem desenvolver suas práticas culturais e religiosas.

Adelson Henrique Vargas de Souza Santos, conhecido como Pai Delsinho, da Tenda Umbandista Rei Congo, em Morada Nova de Minas, explica sobre a importância de todos os elementos da natureza para os ritos: “o orixá nada mais é que todo elemento da natureza. É a água, o fogo, a terra, é o ar. Precisamos das folhas da natureza para os banhos, para a troca de energia. Precisamos pisar na terra para receber o axé de Omolu, das folhas de Oxóssi, do fogo de Ogum, precisamos de Iansã, de Oxum, Iemanjá.”

“Nosso trabalho precisa que o orixá esteja ali: em cada grão de terra, em cada pedaço de folha, em cada brisa que bate, em cada gole de água que passa dentro do córrego. O respeito que temos pela natureza é o mesmo que temos por cada pessoa viva, porque existe a essência do orixá.”

Pai Delsinho, Tenda Umbandista Rei Congo

O líder umbandista fala da relação estreita das religiões de matriz ancestral africana com a natureza e que, com o rompimento da barragem, os ritos na região atingida também foram prejudicados, pois não se oferece coisas ruins para os orixás, cuja energia é pura: “como vamos ofertar uma água poluída, uma terra poluída? Como faremos um trabalho para buscar uma cura, um caminho aberto ou apenas uma oferta de agradecimento? Não tem como. A mesma coisa quando vamos arrancar uma raiz, uma casca ou uma folha pra fazer um remédio pra uma pessoa, se a terra tá afetada, se a água está afetada, a árvore também fica. Então pode piorar uma doença ao invés de oferecer a cura”, finaliza. 

“É importantíssimo o mapeamento e levantamento desses danos para uma futura valoração e inclusão na Matriz de Danos, tirando essas pessoas da invisibilidade. É importante dizer que essas comunidades existem, quem são e onde estão dentro da calha do Paraopeba, do lago de Três Marias e adjacências, reconhecendo-as como pessoas de direito que são. Quando há esses danos, eles precisam ser valorados, pois são danos à fé, à crença, ao exercício e à prática religiosa garantidos, inclusive, pela constituição”, conclui Rafael Vicente.

Veja a seguir as fotos da pesquisa na Tenda Umbandista Rei Congo – Morada Nova de Minas:

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Veja a seguir as fotos da pesquisa na comunidade Quilombola Saco Barreiro – Pompéu:

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