“Tem gente que perde a casa, tem gente que perde a família. Tem outras pessoas que perdem o rio, a tradição e os costumes. E pode ser isso tudo junto também”.
A fala de Liderjane Gomes Kaxixó resume a luta de diversas comunidades indígenas como a dela, que buscam a reparação dos danos sofridos após os rompimentos da barragem da Vale, em Brumadinho, há três anos e meio.
Nesta terça-feira, 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, o Instituto Guaicuy relembra os desafios e a importância da caminhada desses povos tradicionais pelo reconhecimento como atingidos pelo desastre-crime. Pessoas pertencentes aos Povos e Comunidades Tradicionais, bem como seus territórios e seus modos de vida foram afetados de formas muitas vezes irreversíveis.
Ocupando aproximadamente apenas quinze dos 5.411 hectares identificados e delimitados pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), os Kaxixó se dividem em três aldeias: Capão do Zezinho, localizada no município de Martinho Campos, e Fundinho e Pindaíba, que ficam na margem direita do mesmo rio, no município de Pompéu.
O derramamento de lama que afetou cerca de 318 quilômetros da bacia do Rio Paraopeba, desde Brumadinho até a represa de Três Marias, fez com que o Rio Pará, usado pelos Kaxixó para banho, pesca, rituais tradicionais e outras atividades, ficasse sobrecarregado.
De acordo com relatos dos Kaxixó, turistas e pescadores que antes frequentavam o Paraopeba mudaram de destino devido às dúvidas quanto à qualidade da água que foi atingida pelos treze milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. Além disso, o rio Pará passou a ser usado como fonte de captação de água para fazendas e comunidades que antes se abasteciam com as águas do Paraopeba.
Reparação diferenciada
Até o momento, além do povo Kaxixó, também participam do processo de reparação pelo rompimento da barragem da Vale as comunidades Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe – assessorados pelo Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea). Para Carlos Gimenez, coordenador de campo do Instituto Guaicuy na área 5, compreendida pela região da represa de Três Marias, a atuação das Assessorias Técnicas Independentes nesses territórios deve contar com um cuidado adicional. “Estamos falando de comunidades tradicionais que talvez tenham critérios de organização diferenciados. Entre os Kaxixó, por exemplo, existem lideranças e fluxos de acessos de pessoas e entidades externas. Nós, enquanto Assessoria Técnica Independente, temos o dever de entender com eles qual é o fluxo de trabalho e contato que funciona, de acordo com a cultura de cada lugar”.
Da mesma forma, a mensuração dos danos sofridos pelos povos tradicionais deve acontecer de forma diferenciada. A advogada popular do Instituto Guaicuy Gabrielle Luz ressalta a importância em se considerar a própria configuração dessas comunidades e o histórico de violação de direitos já vivenciados por elas antes do desastre. “Também é essencial considerar a história e os modos de vida desses povos originários. A relação deles com o rio, com a natureza é diferente da de uma comunidade urbana, e precisa ser levada em conta quando se pensa nos impactos sofridos”, explica.
Luta por direitos
No dia 25 de fevereiro de 2021, o povo Kaxixó enviou um documento para as Instituições de Justiça (Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União) pedindo reconhecimento enquanto atingidos pelo rompimento da barragem da Vale. A partir desta data, o Instituto Guaicuy, junto às Instituições de Justiça, passou a utilizar medidas judiciais cabíveis para incluir a comunidade nos programas de reparação contemplados no acordo judicial firmado em fevereiro de 2021 entre as Instituições de Justiça, o Governo do Estado e a Vale.
Neste mês de abril, o povo Kaxixó recebeu a notícia de que seria incluído no Programa de Transferência de Renda, valor pago mensalmente às pessoas atingidas ou prejudicadas pelo rompimento da barragem da Vale. O programa, que substitui o Pagamento Emergencial, foi previsto no acordo com o objetivo de garantir condições materiais para as populações que vivem nas comunidades delimitadas como atingidas, enquanto aguardam pela reparação integral. A duração do pagamento do auxílio será de aproximadamente quatro anos. Para Liderjane, esse é um grande passo, mas ainda é importante ressaltar o que o dinheiro não paga: “O acesso livre ao rio, à água sem contaminação e ao meio ambiente”.