Corte de 48% no orçamento das ATIs ameaça direito das comunidades; deputados federais e estaduais aprovaram realização de audiências públicas para debater o tema; entidades assinaram manifesto que já conta com mais de 4,6 mil assinaturas; confira
Nas últimas semanas, milhares de pessoas, entidades e figuras públicas se manifestaram em defesa do direito de comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Vale contarem com o suporte de Assessorias Técnicas Independentes (ATIs).
Este direito é previsto na Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB) e deve, no caso Paraopeba, atender a população que foi prejudicada, ainda que potencialmente, pelos impactos socioeconômicos mencionados na lei, em comunidades de Brumadinho e mais 25 municípios ao longo do Rio Paraopeba e da região da Represa de Três Marias e também os cidadãos prejudicados por outros desastres socioambientais, como defendeu o Projeto Manuelzão em suas redes sociais:
“A ATI é fundamental para a reparação integral das comunidades afetadas pelo desastre-crime e é um direito das pessoas atingidas por barragens”.
Projeto Manuelzão
O apoio das ATIs é uma conquista recente das pessoas afetadas por barragens e foi fruto de muita luta, mobilização social e de eleições realizadas junto às comunidades.
E, em um contexto de violações de direitos e desamparo que as comunidades enfrentam desde o rompimento da barragem, as ATIs representam uma rede de suporte aliada das pessoas atingidas na busca por seus direitos, como destacou o Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM, em nota publicada em suas redes sociais e em um ofício encaminhado às instituições de Justiça:
“Além do mapeamento de danos causados pelo rompimento da barragem em 2019, as ATIs têm papel fundamental no acompanhamento de famílias, monitoramento da saúde dos atingidos e atingidos, realização de consultas públicas e desenvolvimento de estudos sobre a contaminação dos rios, solos da região”.
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Em outro ofício encaminhado às instituições de Justiça, ao governo de Minas Gerais e à Coordenação Metodológica e Finalística (CAMF), o Movimento Paraopeba Participa – articulação de pessoas e grupos de atingidos pelo desastre-crime da Vale – também reforçou a importância do acompanhamento das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs):
“O direito à ATI também tem o objetivo de propiciar uma certa “paridade de armas” às partes, uma vez que, geralmente, a Assessoria Técnica Independente se faz necessária quando existe a violação de direitos por empresas de elevado poderio econômico, social e político, com fortes influências nas mais altas esferas do Poder”.
Movimento Paraopeba Participa
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) enviou ofício no dia 13 de março, endereçado ao MPMG, MPF e DPMG, em que questiona os cortes e destaca:
“Porém, passados dois anos de trabalho das ATIs, desde 2021, as pessoas atingidas vêm sofrendo com a redução dos escopos, atividades, quadro de técnicos e, portanto, capacidade da ATI exercer adequadamente suas funções. Aqui, não se considera que as ATIs estejam sendo penalizadas, mas sim aquelas pessoas para as quais suas atividades são direcionadas e que dependem de seus serviços para compreender, participar e obter uma reparação justa.”
Direito ameaçado
No início de março, as instituições que representam as pessoas atingidas na Justiça (Defensoria Pública de MG, Ministério Público de MG e Ministério Público Federal) anunciaram às AITs um corte de 48% do orçamento previsto para as atividades do Acordo Judicial (e que atualmente, é o único orçamento das ATIs) para o primeiro semestre de 2023, sem observar que as ATIs já haviam incorrido em gastos realizados em janeiro e fevereiro, com base no orçamento anterior.
A determinação desconsidera o orçamento previsto nos planos de trabalho que já haviam sido aprovados pelas instituições de Justiça, como explicou o deputado federal Patrus Ananias (PT) em suas redes sociais:
“A redução orçamentária estava prevista para ser realizada de forma gradual, em paralelo a um Plano de Desmobilização para os próximos três anos. No entanto, as ATIs foram surpreendidas com a decisão, no início de março, que definiu um corte drástico de 48% no orçamento, o que inviabiliza o trabalho e impacta negativamente o direito dos atingidos pela reparação integral”.
Patrus Ananias, deputado federal MG
O corte de verbas ameaça a continuidade das atividades de Aedas, Guaicuy e Nacab, instituições que dão apoio às pessoas atingidas, na busca por direitos, e que divulgam informações em linguagem popular sobre o processo judicial às comunidades. Além disso, elas também trabalham como assistentes dessas instituições de Justiça, no levantamento dos danos provocados pelo desastre, que podem servir como provas contra a mineradora no processo judicial. Sendo assim, todo este processo corre o risco de ser prejudicado. É o que pontuou o Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM, em suas redes sociais:
“Com o orçamento anual reduzido pela metade, haverá a demissão de quase todos os trabalhadores e trabalhadoras das ATIs, retirando o apoio técnico das pessoas atingidas pelo crime da Vale S.A., frente às arbitrariedades da mineradora”.
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Sem as ATIs, as pessoas atingidas ficariam sem apoio num momento crucial do caminho que vem sendo percorrido rumo à reparação integral dos danos do desastre. Há cerca de um mês foi dado início ao processo que vai definir os valores das indenizações individuais e as ATIs, conforme pedido feito pelas Instituições de Justiça aos Juiz, poderão incidir junto à perícia judicial, para lutar por valores mais justos para as pessoas atingidas.
A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL) e a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL) informaram em suas redes sociais que estão buscando mediação com as instituições de Justiça para tentar reverter o quadro do corte de verbas. E reforçaram a mobilização da sociedade é fundamental:
“Isso significa a desassistência de várias comunidades e territórios que ainda não tiveram seus direitos reparados”.
Bella Gonçalves, deputada estadual MG
“É muito importante a ATI porque o processo de escuta é o processo de levantamento [de danos relacionados ao rompimento da barragem]. Este corte de 48% coloca em risco todo o trabalho que vem sendo feito. E, para isso, nosso mandato federal e estadual estará tomando providências”.
Célia Xakriabá, deputada federal MG
Assista ao vídeo completo:
Manifesto
O anúncio do corte mobilizou milhares de pessoas e comissões que assinaram o “Manifesto pelo direito à Assessoria Técnica Independente”, lançado no dia 16 de março pelo Instituto Guaicuy. O documento pede a continuidade do trabalho das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) junto às comunidades impactadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, ocorrido em 2019.
Audiências públicas e reuniões com instituições de Justiça
Diante do risco de mais uma violação de direitos para as pessoas que já tiveram suas vidas prejudicadas de diversas formas pelo rompimento da barragem da Vale, parlamentares se mobilizaram para tentar garantir este direito previsto em lei.
As deputadas Bella Gonçalves (PSOL), Leninha (PT), Beatriz Cerqueira (PT) solicitaram uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para para debater a garantia do direito à ATI para as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão, “especialmente para a garantia de execução dos planos de trabalho das Instituições Aedas, Guaicuy e Nacab, previamente aprovados pelas instituições de justiça”. O pedido para realização da audiência pública foi aprovado, no entanto ainda não há data definida para a reunião.
As três Deputadas Estaduais, acompanhadas de seus pares na ALMG Deputadas Macaé Evaristo (PT), Lohanna França (PV), Andréia de Jesus (PT), Deputados Leleco Pimentel (PT), Dr. Jean (PT), Betão (PT) e Prof. Cleiton (PV), além dos Deputados Federais Célia Xacriabá (PSOL), Rogério Correia (PT), Padre João (PT) e Patrus Ananias (PT), subscreveram um pedido de reunião ao Ministério Público de Minas Gerais para debater o tema e buscar soluções.
O pedido foi atendido, a reunião foi realizada com a presença do Procurador-Geral, Dr. Jarbas, e outros representantes do MPMG, Dra. Shirley, Drs.Lucas e Carlos André, além da Dra. Raquel da Costa Dias, Defensora Pública Geral de Minas Gerais e outros dois defensores públicos, Drs. Antônio Lopes de Carvalho Filho, Bráulio Santos Rabelo de Araújo. Por parte dos Deputados, acompanharam Bella Gonçalves, Beatriz Cerqueira, Prof. Cleiton e Dr. Jean. Nesta reunião as Instituições de Justiça restringiram a participação somente aos Deputados e suas assessorias, e não houve nenhum encaminhamento.
Além disso, diversos deputados assinaram um pedido de reunião com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG). A reunião foi realizada no dia 30 de março, com o objetivo de os deputados dialogarem com as instituições de Justiça sobre os impactos dos cortes para o direito das pessoas atingidas e buscarem soluções.
O deputado federal Rogério Correia (PT) aprovou três requerimentos pela Comissão Externa de Fiscalização de Rompimentos de Barragens/Acompanhamento Repactuação de Mariana e Brumadinho da Câmara dos Deputados que acompanha o caso Brumadinho. Um deles solicita agendamento de uma Audiência Pública sobre o tema, outro pede informações sobre o motivo do corte orçamentário; e o terceiro solicita uma visita técnica ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Em Audiência Pública da Comissão Externa, realizada no dia 21 de março, o deputado federal Rogério Correia (PT), mencionou os requerimentos e questionou sobre o corte de recursos:
“Aprovamos um pedido de informações sobre o corte de verba: por que estão cortando? Qual é o montante? Para onde está indo o recurso? Por que Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Defensoria Pública de MG ficaram três meses sem passar um centavo para as Assessorias Técnicas? O recurso já estava lá. Eles vão receber agora, com corte [de 50% no orçamento]. É muito estranho porque estavam retendo um recurso que não é deles. Isso é um fundo aprovado em lei, cujo valor é especialmente das Assessorias Técnicas Independentes. Me estranha muito Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Defensoria Pública de MG terem um papel, cá entre nós, depois falam da [Fundação] Renova, mas sinceramente, estão tendo uma atuação dura com relação às Assessorias Técnicas. É esse tipo de acordo que se pretende fazer?”
Rogério Correia, deputado federal MG
Nesta reunião, cujo tema era o impacto do rompimento de barragens na saúde das populações atingidas, pessoas atingidas pela Vale foram ouvidas e também manifestaram seu incômodo com o possível corte do acompanhamento de suas Assessorias Técnicas Independentes. Também estavam presentes os deputados federais Patrus Ananias (PT) e Padre João (PT).
Correia determinou o envio do conteúdo da reunião acima às instituições de Justiça e ao Ministério da Saúde e Casa Civil. Assista à fala completa:
Na mesma audiência, o deputado federal Padre João (PT-MG) também se manifestou em defesa das Assessorias e contra o corte orçamentário. Veja no vídeo abaixo:
E no último dia 10 de abril, em atendimento ao requerimento da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, houve mais uma reunião entre parlamentares mineiros das esferas federal e estadual, com os representantes máximos das três Instituições de Justiça que assinam o Acordo com a Vale: Ministério Público de Minas Gerais, Defensoria Pública Estado de Minas Gerais e Ministério Público Federal.
Houve a presença de representantes das pessoas atingidas, organizadas na Rede de Articulação das pessoas, grupos e comissões de atingidas (os) da Bacia do Paraopeba – Paraopeba Participa, e na Rede de Atingidos da Região 3. Também participaram representantes das 03 ATIs – Aedas, Nacab e Guaicuy -, e de Movimentos Sociais (MAM, MAB e MST).
As pessoas atingidas trouxeram depoimentos sobre o trabalho das ATIs nos territórios, e afirmaram que sem as ATIs os Anexos do Acordo não seriam executados de forma adequada e participativa. Questionaram como as Instituições de Justiça, no exercício da representação das pessoas atingidas, tomam decisão que afeta diretamente seu direito a Assessoria Técnica Independente, sem qualquer diálogo ou consulta às pessoas atingidas.
“A reunião foi longa e intensa. E graças à pressão de algumas deputadas e deputados por um encaminhamento efetivo, as Instituições de Justiça se comprometeram a se reunir entre eles para ponderar todas as questões que vêm sendo levantadas desde o início do mês de março que ainda estão sem resposta, e enviar uma resposta formal à Comissão Externa da Câmara dos Deputados nos próximos dias”, relata Carla Wstane, diretora do Instituto Guaicuy.
Luta constante
Mesmo já previsto na legislação, o direito à Assessoria Técnica Independente (ATIs) ainda não é garantido a todas as pessoas atingidas por barragens ou grandes empreendimentos. Neste sentido, a luta por este este direito tem sido constante. Exemplo disso é a audiência pública realizada na ALMG em 25 de maio de 2022, que levou à Comissão de Direitos Humanos o debate sobre a importância das ATIs para as comunidades prejudicadas. É por meio das ATIs que essas populações alcançam, por direito, a participação informada no processo de reparação, podendo incidir em como a Justiça compensará os danos coletivos e individuais que essas pessoas sofreram após os desastres-crimes.
No encontro, que contou com a presença de pessoas atingidas, instituições de Justiça e das ATIs que atuam no caso Paraopeba (Aedas, Guaicuy e Nacab), a moradora de Cachoeira do Choro (Curvelo, MG), Eliana Barros apontou a relevância das ATIs para garantir o acesso à informação no processo de reparação. “Se não fosse a assessoria, a gente não teria nenhuma informação sobre os anexos referentes ao Acordo firmado entre a Vale e as instituições de Justiça”.
Ana Carla Cota, moradora de Antônio Pereira, também contextualizou a comissão sobre a situação dos moradores deste distrito de Ouro Preto, que é atingido pelo risco de rompimento da Barragem Doutor, também da mineradora Vale. Por conta disso, centenas de pessoas que viviam na zona de alagamento tiveram que deixar suas casas. A população do distrito elegeu em 2021 o Guaicuy como ATI, mas o trabalho do instituto só pode começar em dezembro de 2022, após muita luta e pressão popular.