Ministério Público de Minas Gerais abre inquérito sobre morte de peixes na região de Retiro Baixo

Investigação busca entender se as causas estão ligadas ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho

No início de março, o Ministério Público de Minas Gerais, por meio da Promotoria de Justiça de Curvelo, abriu inquérito para apurar a mortandade de peixes no Rio Paraopeba, na região da Usina de Retiro Baixo e na Represa de Três Marias. A ação parte de denúncias de moradores da área, encaminhadas pelo Instituto Guaicuy, que atua como Assessoria Técnica Independente (ATI) da região. Estudos do Instituto apontam que os rejeitos do rompimento da Vale, em Brumadinho, ultrapassaram a barragem de Retiro Baixo e chegaram até o reservatório de Três Marias.

Os relatos iniciais vieram de moradores de Felixlândia, Pompéu e Três Marias. Os moradores haviam notado um aumento significativo na mortandade de peixes na segunda quinzena de outubro de 2021. A partir destes relatos, um ofício foi encaminhado ao Ministério Público de Minas Gerais ,em novembro daquele ano.

De acordo com o texto do inquérito, a investigação se propõe a estudar a mortandade de peixes na região entre 2021 e 2023. Em recurso apresentado em março de 2023, o Guaicuy trouxe à tona nova denúncia das pessoas atingidas sobre a mortandade de peixes no reservatório de Retiro Baixo. Foi apontada, inclusive, a morte de peixes adultos (em período de piracema) de Surubim, espécie ameaçada de extinção. Ainda não é possível dizer se os casos de mortandade teriam sido causados pelos rejeitos do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, ou se poderiam estar relacionados com as atividades do consórcio da Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo.

“Esse inquérito é importante para que a gente possa entender o que causou esse aumento da morte de peixes; se ele estaria, por exemplo, ligado à Usina de Retiro Baixo ou à contaminação das águas do Rio Paraopeba, a partir do rompimento da barragem em 2019”, destaca Pedro Andrade, advogado do Instituto Guaicuy. 

O MPMG requereu, ainda, que o Instituto Guaicuy enviasse ao órgão uma relação de todos os eventos de mortandade de peixes que teve conhecimento entre 2021 e 2023, relatando o local, as espécies atingidas, número de peixes, bem como eventuais testemunhas dos fatos. O Instituto trabalha neste levantamento e deve enviá-lo até o dia 06 de abril.

As pessoas atingidas que tenham novos relatos podem entrar em contato com o Guaicuy, pelos links abaixo, para que eles sejam incluídos no levantamento.  

Estudos apontam que os rejeitos ultrapassaram a barreira de Retiro Baixo e chegaram até o reservatório de Três Marias

Menos de um mês após o rompimento, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) recomendou a suspensão do uso da água do Rio Paraopeba no trecho que vai de Brumadinho até a barragem de Retiro Baixo. A recomendação é válida até hoje, com diversas placas do órgão ao longo da bacia, relembrando a suspensão. No entanto, análises realizadas pelo Instituto Guaicuy apontam que as consequências ambientais do desastre-crime ultrapassaram o ponto em questão. 

Para analisar a qualidade ambiental das águas, dos sedimentos e dos peixes da região,  entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2022, o Guaicuy realizou 1.363 avaliações que buscam garantir informações independentes e qualificadas para as pessoas atingidas. Ao longo do percurso do Rio Paraopeba e do reservatório de Três Marias, notou-se, nas águas superficiais, elevadas concentrações de alguns dos principais metais relacionados aos rejeitos. Alguns exemplos são ferro, manganês e alumínio, inclusive, ultrapassando, em certas situações, os limites estabelecidos pelas legislações.

Nas coletas de água nas margens do Rio Paraopeba e da represa de Três Marias, os resultados indicaram violações em 24,3% para o alumínio dissolvido, 12,6% de ferro dissolvido e 10,5% de manganês total, em relação aos limites estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) – Resolução n°357/2005.

No que diz respeito aos sedimentos, os resultados mostram que o alumínio e o ferro foram os metais que apresentaram as concentrações mais elevadas em todo trecho estudado, seguidos pelo manganês. Foi observado que, mesmo abaixo do barramento de Retiro Baixo, as concentrações de ferro e manganês atingiram valores superiores a alguns pontos acima do barramento. 

As análises também incluíram testes de ecotoxicidade na água e nos sedimentos, com o objetivo de conhecer os efeitos que elementos químicos-metálicos e outras substâncias lançados nas na água podem ter sobre a vida aquática. Eles mostraram que a exposição aos metais e a outras substâncias presentes nas águas e nos sedimentos podem gerar efeitos tóxicos no desenvolvimento da vida aquática, de forma rápida, ou a longo prazo.

“O alumínio, o ferro e o manganês são metais abundantemente presentes nos rejeitos da  barragem rompida em 2019. E estes foram os metais que apresentaram as maiores concentrações nas águas e nos sedimentos ao longo do trecho estudado, inclusive com percentuais importantes de não conformidades na água. Além disso, esses resultados são corroborados com as análises do IGAM, que mostram um padrão de alterações desde o rompimento da barragem de Brumadinho. As violações se tornaram muito mais frequentes depois do rompimento”, explica Bernardo Beirão, especialista em danos ambientais do Instituto Guaicuy. 

No Boletim Informativo do Cidadão de março de 2023, o IGAM aponta que, durante o mês de janeiro de 2023, as análises de água registraram violações aos limites legais para alumínio dissolvido, chumbo dissolvido, turbidez, manganês total e ferro total e dissolvido, inclusive após o barramento de Retiro Baixo, nos pontos de coleta entre os municípios de Felixlândia e Pompéu. O IGAM conclui, ao final, que estas violações se dão em decorrência  das chuvas, que “podem ter contribuído para o revolvimento do rejeito no leito do rio e o aumento do escoamento superficial da bacia de drenagem, bem como impactos de outras atividades antrópicas na região a montante”.

Abertura da temporada de pesca frustra pescadores

“Aqui sempre foi excelente, vendia muito peixe, pegava muito peixe. Mas, a produção caiu [depois do rompimento] que foi uma coisa horrorosa. A pesca abriu e no primeiro dia eu peguei quatro curimbas, uma coisa que nunca aconteceu comigo em 18 anos de pesca. Eu pescava 140 kg em uma noite! No segundo, eu peguei três curimbas e um tambaqui, coisa muito rara de acontecer quando a pesca abre. O peixe desapareceu da nossa região”.  Quem traz esse relato é Geraldo Francisco Benício que, há quase duas décadas, vive da pesca na comunidade de São Marcos, no município de Pompéu. 

Ele não está sozinho. O fim da piracema este ano veio acompanhado de frustrações para os pescadores do entorno da represa de Três Marias e do entorno do Rio Paraopeba. A abertura da temporada de pesca, que costumava ser de abundância na região, não rendeu tanto quanto era esperado por quem trabalha com o pescado. A situação não vem de hoje, desde 2019, após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, os moradores da região relatam diminuição na quantidade de peixes, aumento da mortandade de peixes, alterações no pescado, entre outros problemas.

O casal de pescadores Cinete da Silva e Luis de Souza vive no Balneário Reino dos Lagos (Pompéu) e também conta que o início da temporada de pesca não foi como o esperado. “Hoje pega pouco peixe. Naquela época [antes do rompimento] tinha dia que pegava até mais de 200 kg, hoje eu peguei 5 kg”, se queixa Luís. 

Além disso, Cinete relata que, desde 2019, tem notado diferenças nos peixes que pega na altura do encontro do Rio Paraopeba com a represa de Três Marias, assim como nas espécies encontradas: “Antigamente tinha muito piau, corvina, dourado, surubim… Hoje não vê mais, encontra é piranha e curimba”. Ela conta, ainda, que chegaram a encontrar peixes com larvas no olhos, além de exemplares com coloração esbranquiçada, diferente do usual. 

Além das redes de pesca, Cinete passou a tecer tapetes e redes de dormir para complementar a renda. Foto: Daniela Paoliello/Instituto Guaicuy

Os problemas também não se limitam ao sumiço do pescado. Os pescadores ainda relatam ter encontrado peixes com coloração diferente do habitual e aparentemente adoecidos. A manutenção dos equipamentos de pesca também ficou mais difícil, com aumento da “sujeira” nas águas. “A sujeira na rede é uma coisa que não tem explicação, que nunca deu. Toda rede era tirada com 15 dias, tive que tirar para lavar com dois“, conta Geraldo, mostrando a rede que precisou ser retirada para lavar com apenas dois dias de uso, por conta de uma “sujeira” avermelhada. 

Bernardo Beirão, especialista em danos ambientais do Instituto Guaicuy, ressalta que é importante que o inquérito averigue a causa destes problemas relatados pelas pessoas atingidas. “Os peixes esbranquiçados, com larvas, podem ter muitas causas, por isso é importante uma análise cuidadosa. Mas se as pessoas levantam que isso começou a ser mais recorrente a partir de 2019, a gente pode entender que o impacto gerou um desequilíbrio que está favorecendo o surgimento de algumas doenças nos peixes”, avalia.

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