Manifesto dos três anos do desastre-crime da Vale

A articulação da Bacia do Paraopeba – Paraopeba Participa, composta pelas comissões, associações e pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale de Brumadinho a Três Marias, escreveu manifesto sobre os três anos do desastre-crime.

Confira a seguir o texto!

À sociedade mineira;

Às Instituições de Justiça – Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Defensoria Pública do Estado;

Ao Estado de Minas Gerais – Comitê Gestor Pró Brumadinho

25 de janeiro, data que não pode ser esquecida, ações que necessitam urgentemente de serem tomadas para além de reparar aquilo que possa ser reparado, de garantir a não repetição.

Minas Gerais se construiu na busca pelo ouro, no garimpo de minerais para suprir a necessidade da indústria, mas, também da ganância promovida pelo capital. Não seremos radicais neste clamor, mas os mecanismos que sustentam a exploração minerária precisam de imediato de não somente efetivação de leis para sua continuidade como também de um processo de humanização nos processos de licenciamento, de investimento e eficácia na fiscalização.

Hoje centenas de pessoas envolvidas no evento do desastre-crime da empresa Vale S/A revivem a dor da ausência dos poderes de estado quanto da atividade minerária, revivem a memória dos seus entes queridos, chamados pelos familiares como “Jóias” e que se foram no mar de lama derramado de forma cruel com a ciência da empresa responsável pela barragem colapsada. Mas, além destas centenas de famílias que choram a morte de seus entes, existem ainda outras centenas que amargam as duras consequências desse sistema que opera hoje no Estado de Minas Gerais.

Existem povos e comunidades tradicionais sem as suas práticas culturais, ribeirinhos que hoje sentem o som do rio, mas não podem sentir suas águas, pois esta está contaminada; crianças, idosos, jovens e adultos que a partir de 25 de janeiro tiveram interrompidos seus modos de vida, seu direito ao futuro.

As consequências são imensuráveis e, na realidade, ainda não estudadas da forma e técnica que deveriam, mesmo assim, está em andamento o chamado “Leilão” dos direitos das pessoas atingidas – Acordo entre Estado de Minas Gerais e ré Vale S/A. – que de reparação tem apenas a palavra escrita em seu objeto, mas, na prática, foi mais uma violência com todas as pessoas atingidas.

Diante dessa breve introdução, a Rede de Articulação da Bacia do Paraopeba – Paraopeba Participa – vem a público manifestar seu repúdio a permissividade dos poderes de estado quanto a continuidade do desastre crime da Vale S/A em toda a Bacia do Paraopeba até o Lago de Três Marias, bem como deixar público as reivindicações que se seguem:

  • Que nenhuma propaganda seja veiculada pela empresa ré Vale S/A sobre ações que são, na verdade, obrigações legais diante os danos provocados a todas essas pessoas atingidas;
  • Que o Estado de Minas Gerais também poupe essas pessoas atingidas das propagandas cuja frase inicia “Acordo histórico”, salvo se disser da historicidade de violações inseridas nele;
  • Que as Instituições de Justiça no âmbito estadual e federal que ocupam cadeiras como compromitentes deste acordo assumam publicamente a não participação das pessoas atingidas nas tratativas desse acordo;
  • Que seja garantida de forma imediata e a partir da escuta das pessoas atingidas a participação efetivamente informada – o acordo não segue mais em sigilo ou confidencialidade;
  • Que seja garantido o cumprimento por parte da ré Vale S/A, todas as medidas emergenciais – fornecimento de água, alimentação animal e humana, pagamento do programa de transferência de renda aos bloqueados e aos não aceitos por ela, sob pena de multa e outras penalidades possíveis;
  • Que a Matriz de Danos seja concluída a fim de dar publicidade de todos os danos, bem como dos reais níveis de contaminação do solo, da água e do ar, possibilitando ações de políticas públicas para atendimento médico especializado às pessoas atingidas;
  • Que seja garantida a participação de pessoas atingidas com garantia de idoneidade, sem interferências partidárias bem como relações com a empresa ré Vale S/A nas mesas de diálogo, decisão e acompanhamento da execução dos anexos do acordo;
  • Que sejam respeitados os direitos da Verdade e Memória, que têm como dimensão o conhecimento dos fatos e manutenção da memória como registro histórico e base para não repetição;
  • Que sejam tomadas todas as providências legais para que a empresa Vale S/A realize a limpeza de todas as regiões afetadas pela lama do assoreamento do Rio Paraopeba revolvida pelas enchentes que acometeram as regiões de toda a Bacia do Paraopeba, bem como toda assistência à saúde àqueles que foram obrigados ao contato com o material.

Basta!

Não aceitamos mais a violência imposta diante as atrocidades que envolvem o pós desastre-crime, não aceitamos mais a subserviência dos poderes do estado diante da máquina da indústria predatória, não aceitamos mais sermos tratados como “coisa”!

Somos pessoas, antes de carregarmos o árduo fardo do adjetivo “atingidos”, e como pessoas temos e somos detentores de direitos e garantias constitucionais, o que inclui o poder exercido pelo povo elucidado em nossa Constituição da República Federativa do Brasil que reivindicamos através da garantia de participação efetivamente informada.

Não queremos novos dias 25 de janeiro e seguiremos na luta, fortalecida pelo luto das vidas perdidas e pelo luto da situação adormecida da palavra Justiça!

Assinam:

Comissões, associações e pessoas atingidas da Rede de Articulação da Bacia do Paraopeba – Paraopeba Participa – de Brumadinho ao Lago de Três Marias.

Para baixar o manifesto, basta clicar aqui!

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