Levantamento inédito feito pelo Coletivo Margarida Alves foi lançado em maio e mapeou informações de trinta territórios que vivenciam violações de direitos
O Coletivo Margarida Alves (CMA) lançou em maio a pesquisa “Acesso à Internet e o Exercício de Direitos”. O material aborda, por meio de dados, como trinta comunidades tradicionais de Minas Gerais que vivenciam conflitos socioambientais são impedidas de participar das decisões sobre seus territórios pela falta do acesso digno à internet.
O trabalho traz uma abordagem do acesso à internet como um direito humano, que deve ser garantido pelo poder público. Também contempla a situação do acesso à internet no Brasil nos últimos anos ao resgatar as políticas públicas de inclusão digital e, finalmente, traz repercussões, recomendações e apontamentos para ações possíveis na construção de caminhos.
O dossiê aponta para a dificuldade de acesso à internet constituindo mais uma camada de exclusão em contextos de violações de direitos causadas pela presença de grandes empreendimentos nessas regiões. “O caso de realização de audiência pública virtual é bastante emblemático: se uma pessoa não tem internet para participar de uma audiência pública virtual que diz respeito a um projeto prestes a ser instalado em sua região e irá impactar diretamente a vida dela, como ela vai participar? E como irá contar a sua versão dos fatos? O direito à internet é um direito humano e impacta toda uma rede de outros direitos e isso é uma das principais coisas que o material mostra”, explica Larissa Vieira, integrante do CMA.
A exclusão digital nos territórios
Para a elaboração do estudo, o Coletivo Margarida Alves mapeou informações em territórios tradicionais localizados em regiões do Jequitinhonha, Norte de Minas e região central do estado. São quilombos e comunidades rurais atingidas pela mineração em Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Serro; Comunidades tradicionais do Alto-Médio Rio São Francisco em Buritizeiro, Januária, Pedras de Maria Cruz e Várzea da Palma ameaçadas pelo agronegócio; Comunidades geraizeiras do Vale das Cancelas em Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis prejudicadas pelas atividades de monocultura de pinus, eucalipto, mineração e também o Quilombo do Baú, em Araçuaí e Coronel Murta, onde conflitos fundiários se fazem presentes.
Alguns dados
Foram entrevistadas 424 pessoas para levantamento de dados relativos à identidade tradicional, raça, meios de acesso à internet, além da qualidade e dos custos deste acesso. Destas, uma grande maioria de 95,99% se identifica como pretas ou pardas (35,1% e 60,9%, respectivamente). A presença de uma maioria de pessoas racializadas reitera a evidência da associação entre desigualdade racial e o racismo ambiental presente no contexto das comunidades atingidas por grandes empreendimentos. Tal evidência também aparece no estudo quando os dados apontam para o fato de 66,03% das pessoas entrevistadas terem renda mensal inferior a R$1.045,00, de forma que mais da metade dessas comunidades vivem com menos do que o que se considera o mínimo necessário para sobrevivência.
Também foi explorado o impacto dos megaempreendimentos nos direitos econômicos, sociais e culturais por meio do uso ou não da internet. Até mesmo para as ações do cotidiano, dentre o universo de entrevistados, 87,5% das pessoas acreditam que é importante o acesso à internet. Entretanto, apenas 27% destas pessoas conseguem se conectar e, em muitos casos, sem ser de uma forma efetiva.
“Por mais que as pessoas tenham internet, têm dificuldade de acessar sites e plataformas pelo celular, algumas pessoas acessam só o whatsapp. E é uma internet cara, limitada, sem qualidade, que cai bastante”, explica Elizete de Sena, estudante que integrou a equipe de pesquisa. Ela é moradora da comunidade de Passa Sete, em Conceição do Mato Dentro, lugar que convive com os conflitos causados pela presença da mineradora Anglo American. Elizete observa como a utilização da internet pelos moradores depende ou da internet via satélite, com abrangência limitada na região, ou do uso de dados móveis, o que também restringe a navegação a poucos aplicativos.
Elizete ainda relembrou como a situação se agravou durante o período de isolamento social, quando aconteceram diversas reuniões e audiências das quais muitas pessoas atingidas não puderam participar por não conseguirem se conectar, configurando uma violação de direitos. “Se vai afetar diretamente nossas vidas, temos direito de participar das decisões e isso deve ser garantido pelo poder público”. Neste sentido, Elizete também chama a atenção para outro ponto abordado no dossiê: o direito à informação deve ser imediatamente associado ao direito à consulta livre, prévia e informada e de boa fé prevista na Convenção 169, OIT.
Confira o dossiê na íntegra aqui.