Em live, pessoas atingidas reivindicam participação efetiva na construção de possível acordo com a Vale

Acordo está sendo negociado pelo Estado de MG e pelas Instituições de Justiça sem participação de moradores das regiões afetadas por desastre


Moradoras e moradores das cinco regiões afetadas pelo rompimento da barragem da Vale, de Brumadinho a Três Marias, e as Assessorias Técnicas Independentes de toda a bacia do Rio Paraopeba (Aedas, Guaicuy e Nacab) participaram, nesta quinta-feira (26/11), de um encontro virtual organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

A LIVE foi transmitida pelo canal do MAB no Youtube (CLIQUE PARA ASSISTIR) e teve como objetivo promover um debate sobre o acordo que está sendo negociado com a Vale pelo Estado de Minas e pelas Instituições de Justiça que representam as pessoas no processo coletivo (Ministério Público/MG, Defensoria Pública/MG e outras).

Durante o evento, foi feito um repasse completo dos últimos acontecimentos relacionados ao caso e também foram abordadas questões sobre o pagamento e as medidas emergenciais.

Moradores e Assessorias Técnicas reivindicaram acesso aos termos do acordo, que permanecem confidenciais. Elas também cobraram participação efetiva e poder de decisão no processo de reparação integral dos danos e nas negociações. “A situação é caótica. Esse acordo nos pegou de surpresa. Nunca imaginamos que íamos ser vendidos pelo Estado [de Minas Gerais]. Rodoanel e metrô não vão nos ajudar em nada nas regiões 4 e 5, em nenhuma das regiões”, reclamou Tatiane Menezes, que vive em Pompéu (área 4).

Ela também contou sobre os outros “rompimentos” que seguem ocorrendo, desde o colapso da barragem da mineradora. “Continuamos com pessoas passando dificuldades sem [Pagamento] Emergencial, sem água, batalhando pela sobrevivência. Estamos defendendo o Programa de Direito à Renda porque tem muitas pessoas que dependiam do rio, mas não se enquadram na faixa territorial de um quilômetro, então, para a gente, a situação é complicada porque a maioria nem o Emergencial conseguiu”.

Falta de transparência

A coordenadora técnica do Instituto Guaicuy, Carla Wstane, também falou sobre as dificuldades que as pessoas atingidas têm relatado ao Guaicuy e às demais Assessorias Técnicas, em diversas reuniões que têm sido realizadas com as Comissões de Atingidos. E também denunciou a falta de transparência com relação às negociações do acordo. “As informações que as Assessorias Técnicas possuem são as mesmas que pessoas atingidas possuem. Temos muitas dúvidas e esses temas precisam ser aprofundados para que o debate possa avançar”.

O coordenador de projetos da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), Luis Shikasho, também criticou a falta de acesso aos termos do acordo “Sem informação, não tem como fazer participação. A confidencialidade impõe restrição ao nosso trabalho e à luta dos atingidos”.

Até o momento, somente Vale, Ministério Público e Defensoria Pública de Minas Gerais, que representam as pessoas no processo coletivo, e outras instituições de Justiça tiveram acesso a todos os documentos.

Segundo Luis Shikasho, de agora até a data da próxima audiência, agendada para o dia 9 de dezembro, não há tempo hábil para construir uma participação informada. “Teremos um esforço grande das Assessorias Técnicas para dialogar com todos os atingidos, para construir um manifesto sobre as premissas, com algumas propostas e um cronograma de atividades” .

Programa de Direito à Renda

Durante o encontro virtual, o MAB apresentou detalhes sobre o Programa Direito à Renda. Joceli Andreoli, da Coordenação Nacional do MAB, comparou o desastre da vale à batalha entre Davi e Golias e convocou as comunidades para permanecerem unidas e mobilizadas, na luta pela garantia dos direitos das pessoas atingidas e pela reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem. 

“É assim com o crime da Vale. É tão grande, é tão escandaloso, é tão grande o crime da vale, cometido em Brumadinho, que matou 272 pessoas, que acabou com a bacia do Rio Paraopeba, que ceifou sonhos da população, que contaminou a água, que acabou com a natureza, é tão grande e é tão escandaloso o sigilo, a confidencialidade, que vamos acertar o alvo e não vamos permitir que seja feito um acordo rebaixado, traindo mais uma vez os atingidos em Minas Gerais, como tem sido o caso da força das mineradoras. Então vamos a luta, camaradas! Convocamos a todos a ficarem unidos, organizados que nós vamos garantir essa vitória porque o povo é a força maior!”

Ele também destacou a responsabilidade e o papel fundamental das Instituições de Justiça nas negociações do acordo e também comentou sobre o trabalho que as Assessorias Técnicas Independentes vêm realizando junto às comunidades, na luta pela garantia de direitos: “é importante ressaltar as Assessorias Técnicas e o trabalho que vêm fazendo em defesa dos direitos dos atingidos e fazendo assistência técnica para as próprias Instituições de Justiça. Tudo para não deixar que venha um acordo rebaixado e principalmente que tenha participação dos atingidos”.

Demandas emergenciais: denúncias sobre falta de água

Outros representantes das assessorias técnicas da bacia (Aedas e Nacab) também denunciaram problemas com o fornecimento de água pela Vale que têm deixado as comunidades sem água para consumo próprio, para os animais, cultivos e atividades produtivas – o que é obrigação da mineradora. “A água é um direito. Sem água não há como preparar a comida e fazer a higiene, por exemplo. Na pandemia, sem água não há como fazer a prevenção contra a contaminação pelo vírus, lavar as mãos, a máscara, a roupa”, denunciou Luiz Ribas, da coordenação institucional da Aedas. “As Assessorias Técnicas fizeram um relatório sobre água, apontando que o Poder Público não tem divulgado os resultados de análises feitas e questionando os critérios adotados pela Vale para fornecimento de água”, completou.

O morador de Felixlândia, Ormindo Britto contou das várias dificuldades, de ordem econômica, social e de saúde, que sua família vem enfrentando desde o rompimento da barragem, relacionadas à insegurança com relação à água do rio. Aqui na minha região, dependemos do peixe para sobreviver e da água. Eu dependo do turismo. Tenho quatro pessoas na minha família que dependiam daqui. Era o nosso trabalho. (…) E agora, meus três filhos tiveram que ir para Belo Horizonte, para tentar arrumar emprego. Estão sozinhos, sem pai e mãe, sobrevivendo da maneira que podem. Isso é uma falta de respeito. Estou com minha esposa com depressão. Tenho vários vizinhos com esposas em depressão. Os maridos em depressão”, desabafou.

Britto convocou as comunidades a permanecerem organizadas, unidades e em luta. “Estamos sem proteção nenhuma. A Constituinte fala que a lei emana do povo. Juiz não é dono da lei, governador não é dono da lei. Somos nós os donos da lei, nós é que fazemos a lei. Se não levantarmos nossa voz, esses urubus vão continuar fazendo morte. Estão subindo nos cadáveres mortos e isso é uma falta de respeito”. 

A LIVE teve participação expressiva de pessoas atingidas nos comentários do chat, reforçando o desejo por informações e participação nas decisões sobre a reparação dos prejuízos causados pelo desastre.

Clique aqui ou no vídeo abaixo para assistir à LIVE completa:


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