Desterritorialização e perda dos sonhos

Artigo de Arísio Antonio Fonseca Junior, Maria Lúcia Santos Fernandes e Gabrielle Luz

Des-ter-ri-to-ri-a-li-za-ção. Que palavra mais difícil! Pois é, podemos simplificar dizendo que se trata do nome que damos para a ação de saída forçada de pessoas do território em que elas se reconhecem como sendo pertencentes. Isso lembra algo? Bom, quando houve o rompimento da barragem da Mina Córrego-Feijão, diversas famílias precisaram “sair”, não falamos só de sair de casa por questão de algum risco físico à vida, mas também de se verem obrigados a sair da comunidade em que elas viviam e plantaram sonhos, porque perdeu-se o sentido de estar ali. 

Muitas pessoas escolheram viver à margem do Rio Paraopeba, porque ali era o lugar em que teriam tudo – ou quase tudo – de que precisam: água para o lazer, para a irrigação, para os animais; espaço para construir suas casas, para estabelecer o refúgio do dia-a-dia atribulado da cidade grande, para desfrutar a aposentadoria após longos anos de trabalho; tempo para estabelecer uma rotina mais adaptada aos ciclos da natureza, para desenvolver suas atividades de trabalho com tranquilidade, para fortalecer os laços familiares com base em filosofias diversas. 

Foto: Daniela Paoliello/Instituto Guaicuy

A opção por morar em comunidades próximas ao Rio pode ter surgido da vontade de se reconectar à natureza, do desejo de ter o cantinho calmo, da passagem da forma de vida entre gerações de uma mesma família, ou até mesmo por status social. Qualquer que seja o caso, o impacto do rompimento da barragem e a poluição das águas provocaram em muitas pessoas a necessidade de se deslocarem de onde viviam e investiram suas economias, seja para buscar um lugar mais seguro para viver, seja para encontrar trabalho ou emprego, seja para poder recuperar o mínimo de dignidade para elas e suas famílias. Todos foram afetados, desde as pequenas propriedades rurais, perpassando condomínios, até chegar às cidades.  E, o que é tão ruim quanto a necessidade, esses eventos obrigaram as pessoas a fazer uma outra escolha, mais trágica e dolorosa, de saírem dos lugares onde pretendiam ter a experiência de seus sonhos. Por vezes, separações na família foram inevitáveis e a juventude precisou migrar para sobreviver. 

Algumas pessoas com as quais o Guaicuy conversou deixam muito clara essa situação após o rompimento:

“Eu, minha esposa, filha e neta ficávamos lá. Afastamos de lá porque não tem mais a água de beber. Eu tive que correr para outros lados porque eu não tenho como ficar lá sem água (…) Eu ficava uns dias na cidade trabalhando e ia para a roça. Tive que mudar minha vida, ficar na cidade, ir mudando para a cidade” (Morador/a, DRP Baú, 30.07.2020).

“Eu não quero vender minha casa, sou aposentado, vou fazer o que em Belo Horizonte? Eu quero ficar é aqui!” (Morador/a, Relatório de Trabalho de Campo, Cachoeira do Choro, 30.07.2020).

Desterritorialização. Essa difícil palavra significa muita coisa: famílias que se separam, filhos longe dos pais, relações de amizade que se distanciam, produções culturais que são afetadas, comunidades que se esvaziam, economias que perdem vigor, sonhos que se frustram. E tudo isso porque o Rio foi poluído. O sonho realizado, desencantou.

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