“Eu dependo do Lago de Três Marias para sobreviver. Estou aqui expondo minha pessoa, um velho guerreiro, pra falar o que aconteceu com essa represa: a mudança de cor nas águas, o fato da gente não poder mais ingerir essa água. Tudo isso. Pra quem não sabe, a pesca do tucunaré mata a fome de muita gente aqui. Pessoas aposentadas, com salário precário. Hoje em dia, essa pesca não está dando pra alimentar ninguém.”
As dores de Serafim Gonçalves da Silva, morador de Lagoa do Meio, comunidade localizada a poucos quilômetros da Represa de Três Marias, traduzem a realidade de milhares de pessoas da região. Em comum, elas têm o fato de vivenciarem há três anos e meio os danos causados pelo desastre-crime da barragem da Vale em Brumadinho, mesmo morando a mais de 250 quilômetros de distância de onde a barragem se rompeu.
A Represa de Três Marias é onde o Rio Paraopeba desagua e termina, no município de Felixlândia, depois de percorrer mais de 12 mil quilômetros dentro de Minas Gerais. Com o rompimento da barragem, a insegurança sobre a qualidade da água surgiu, causando muita dor ao redor, não só para quem depende da pesca para viver, mas também para quem viu seus modos de vida afetados pelo impedimento de uma relação saudável com as águas.
Segundo Hélio Sato, coordenador regional do Instituto Guaicuy, algumas comunidades que não estão na margem da represa, porém próximas, têm modos e reproduções de vida totalmente vinculadas às águas, como é o caso de Lagoa do Meio e Tronco. “A segurança alimentar e as atividades produtivas estão atreladas à cadeia do pescado, seja na pesca em si, seja na filetagem ou comercialização de peixes, a vida das pessoas passa pelo vínculo com a represa e sofreram muitos danos por consequência do rompimento da barragem”, afirma Sato.
Um documentário produzido pelo Instituto Guaicuy retrata essas diversas vozes que lutam por visibilidade e auxílio para seguirem a vida após o rompimento.
A conta ainda não fecha
Ilzilene Pereira da Fonseca é moradora de Tronco, outra comunidade que fica perto do Lago de Três Marias e tem como uma das principais atividades econômicas trabalhos vindos da cadeia do pescado. Mesmo sem viver na margem do reservatório, Ilzilene cresceu dentro do barco, aprendendo a pescar com seus familiares e fazendo deste seu ofício. “Depois do rompimento, tive que correr para buscar outros meios de trabalho, para buscar sustento para minha casa. Não tinha como ficar pescando se não se vendia o peixe”, relembra.
Por mais que estejam incluídos nas áreas consideradas no acordo judicial, os ribeirinhos citados no minidocumentário não contam com o Programa de Transferência de Renda (PTR), valor que deverá ser pago mensalmente às pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale.
Isso acontece porque o programa tem alguns critérios que devem ser considerados para garantir o recebimento da quantia mensal: a pessoa deve viver em comunidades que ficam até um quilômetro da margem do Rio Paraopeba, ou das margens da Represa de Três Marias reconhecidas como atingidas. Ou em comunidades que sofrem com desabastecimento de água, ou nas que receberam alguma obra emergencial relacionada ao desastre.