Decisão sobre rompimento de barragem em Mariana pode abrir precedente para vítimas da Vale em Brumadinho e 25 cidades de MG

Após problemas com estudos de empresas contratadas pela Fundação Renova, Justiça determinou que cabe às mineradoras provar que não seriam responsáveis por danos à saúde após desastre em Mariana

O juiz Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar, substituto da 4ª Vara Cível e Agrária de Belo Horizonte, encarregou às mineradoras Samarco, à Vale e à BHP Billiton o “ônus da prova” no caso dos danos à saúde das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem destas empresas em Mariana. Ou seja, segundo determinação do juiz, cabe às mineradoras provar que não são responsáveis por danos à saúde identificados após o rompimento da barragem da Mina do Fundão, que ocorreu em 2015 e segue provocando violações de direitos humanos. 

O especialista em Reparação Socioambiental do Instituto Guaicuy, Pedro Andrade, aponta que a decisão pode abrir precedentes para a reparação nas comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que afetou também 25 municípios de Minas Gerais, ao longo do Rio Paraopeba, da Represa de Três Marias e de comunidades banhadas pelo Rio São Francisco.

Após oito anos do desastre-crima da Samarco em Mariana, estudos de saúde ainda não foram concluídos. Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

A decisão do juiz, do dia 31 de janeiro, veio após uma série de problemas apontados  entre estudos ligados à comprovação de danos à saúde que foram ou estão sendo realizados nos territórios atingidos pelo desastre no Rio Doce. Atrasos e diferenças metodológicas são alguns deles. 

“Geralmente, são as partes autoras da ação [instituições de justiça] ou as vítimas do crime quem têm que provar que o dano ocorreu, mas no caso de crimes ambientais é muito difícil traçar o nexo causal, principalmente em questões de saúde”, avalia Andrade. Ele explica que, com essa decisão, são as rés do processo do Rio Doce (Samarco, Vale e BHP Billiton), que terão que provar que não seriam responsáveis pelos problemas de saúde vividos hoje por comunidades que moram às margens do Rio Doce. 

Isso porque, de acordo com Andrade,  nesses casos deve ser aplicado o chamado ‘princípio da precaução’, que diz que a ausência de certeza científica não deve impedir que sejam adotadas as medidas adequadas para se prevenir os impactos à saúde e ao meio ambiente, o que é o fundamento para a inversão do ônus da prova.

Grande parte dos problemas está relacionada ao Estudo de Risco à Saúde, executado pelo Grupo EPA, mesma instituição a frente de um trabalho similar no Rio Paraopeba, na região da represa de Três Marias e em comunidades banhadas pelo São Francisco, atingidas pelo desastre-crime em Brumadinho. Andrade destaca que essa relação aponta para problemas similares também no caso Paraopeba.

Precedente importante para o Paraopeba

Para Andrade, a determinação do juiz é favorável às comunidades e pode abrir um precedente para o caso Paraopeba, principalmente porque o mesmo grupo também tem apresentado problemas no trabalho com as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que também afetou outros 25 municípios de Minas Gerais. 

Em agosto de 2022, um relatório sobre atividades realizadas pelas Assessorias Técnicas Independentes para acompanhar o Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE), conduzido pelo Grupo EPA, e uma lista com pontos de atenção e intercorrências observadas, foi entregue às Instituições de Justiça que representam as vítimas do desastre-crime (Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal e Defensoria Pública de Minas Gerais). 

O documento é de autoria do Instituto Guaicuy, do Aedas e do Nacab, instituições que atuam como Assessoria Técnica Independente das pessoas atingidas pelo desastre-crime da Vale em Brumadinho.


Entre os problemas expostos, estão questões como falhas nas abordagens do Grupo EPA com Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), situações que dificultam ou constrangem a participação das pessoas atingidas nas reuniões do estudo, como presença desproporcional de funcionarios do EPA com relação à quantidade de pessoas atingidas, exposição de questões individuais de saúde e solicitações de detalhes em reunião com toda a comunidade, reuniões em locais sem estrutura, linguagem excessivamente técnica na descrição do estudo e interrupção da fala das pessoas atingidas, além da pouca atenção às questões de saúde mental. Outro ponto diz respeito à falta de aviso prévio em algumas atividades com as pessoas atingidas, dificultando o acompanhamento das Assessorias Técnicas Independentes que lhes dão suporte. 

Além do documento entregue às Instituições de Justiça em 2022, desde o início do trabalho do Grupo EPA, o Guaicuy oficializou diversas ações para a resolução de trabalhos envolvendo questões como a metodologia e a abordagem com as pessoas atingidas. Diversos ofícios foram enviados aos órgãos judiciais, apontando problemas que vão desde falhas na garantia de participação informada da população, até o uso indevido das identidades visuais das Assessorias Técnicas Independentes, dando a entender que estariam participando de atividades realizadas por outras instituições. 

“Desde o início desses estudos, apontamos diversas discordâncias e pontos de atenção tanto com relação à metodologia apresentada pelo Grupo EPA, quanto à abordagem com as pessoas atingidas. Os estudos tiveram atualizações, atualmente temos acesso à versão 9 do plano de trabalho do estudo, mas ainda temos questionamentos sobre alguns pontos da metodologia executada pelo Grupo EPA”, explica a pesquisadora em saúde Etna da Silva, que acompanha pelo Guaicuy os Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico do Grupo EPA.

Assim como no Rio Doce, a especialista também aponta demora no trabalho. “Já se passaram quatro anos e eles ainda estão na fase inicial dos estudos. E, a cada ano que passa, fica cada vez mais difícil provar e até mesmo identificar questões de saúde”, alerta Etna. 

Entenda a decisão que reverte o ônus da prova no Rio Doce

Existem três estudos diferentes sendo realizados no caso Samarco que podem influenciar na comprovação dos problemas de saúde causados ou intensificados pelo rompimento da barragem da Mina do Fundão, em Mariana: Estudo de Riscos à Saúde Humana, Estudo de Riscos Ecológicos e Estudos Epidemiológicos e Toxicológicos.

Cada um tem uma metodologia diferente, o que o juiz Avelar aponta como um problema no texto da decisão. Além disso, ele também baseou a determinação em pontos como o atraso nos estudos e a complexidade na comprovação do nexo causal. 

No que diz respeito ao nexo causal, o foco no processo deixa de ser a comprovação de que os problemas de saúde desenvolvidos pela população atingida foram causados ou intensificados pelo rompimento da Samarco, e passa a ser para os riscos que os tóxicos liberados nas águas do Rio Doce oferecem à saúde humana. A partir disso, as mineradoras e a Fundação Renova serão responsabilizadas pelas doenças com causas claras ligadas ao rompimento, mas também por aquelas em que houver incerteza sobre a relação com o desastre-crime.

Por outro lado, para sanar as diferenças metodológicas, o juízo determinou a contratação de um Perito Judicial para realizar o estudo toxicológico. Já a nova entidade executora que realizará o estudo de risco, em substituição à Tecnohidro/Grupo EPA, ainda deve ser indicada pelo Comitê Inter-Federativo (CIF). O custo de ambos os estudos será arcado pela Samarco.


Texto: Camila Bastos; Edição e revisão: Fernanda Brescia.

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