Em função do descomissionamento da Barragem Doutor, os danos causados pela Vale seguem fazendo parte da rotina de moradoras e moradores de Antônio Pereira, que relatam como é conviver diuturnamente com a poeira, caminhões pesados e prejuízos à saúde física e mental.
Desde a elevação do nível do risco de rompimento da Barragem Doutor, do início das obras de descaracterização, em 2020, e da remoção das pessoas das Zonas de Autossalvamento (ZAS), a população de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto (MG), sofre com os danos causados pela Vale, tendo sua saúde, seu modo de vida, segurança e projetos de futuro severamente comprometidos.
Insônia, falta de água, estresse, poeira, problemas respiratórios, perda de saúde física e mental, perda do lazer e renda, impactos na cultura e desvalorização imobiliária são alguns exemplos de danos com os quais a população de Antônio Pereira convive.
Esses danos causados pela Vale no distrito podem estar relacionados à violação de direitos, alguns deles já elencados pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) na Ação Civil Pública (ACP), como direito de locomoção (ir e vir), direito à moradia, saúde pública, saúde pessoal (física e mental), direito ao trabalho, ao lazer, à informação, direito à identidade cultural e acesso à água, por exemplo.
Maria Tereza Queiroz Carvalho, advogada e coordenadora de Direitos e Participação Social do Guaicuy, informa que um dano pode estar relacionado à violação de mais de um direito. “Nós enquanto Assessoria Técnica temos um papel dentro do processo judicial junto a vocês, que é de assessorar a comunidade. (…) Na Ação Civil Pública que trata dos direitos de vocês, ajuizada pelo MPMG, eles já identificaram 22 direitos que estão sob ameaça. (…) Quem vai dizer pra nós os danos que efetivamente ocorreram e os direitos efetivamente violados é o GEPSA”.
Dona Maria Geralda Simão, que participou da reunião do Núcleo 2 – Tabuleiro e Ribeirinhos, no dia 16 de maio, fez a leitura dos danos percebidos pelo grupo e conta que muitas crianças foram criadas jogando bola no campo do garimpo: “hoje não temos mais o direito de entrar ali e jogar uma bola com as crianças. Nossos netos e filhos de alguns jovens não terão esse prazer.” Ela traz ainda mais uma série de problemas relatados pela comunidade:
Saiba mais sobre as obras de descaracterização
Devido ao histórico de desastres-crimes envolvendo o rompimento de barragens, a exemplo da Barragem de Fundão, da Samarco, Vale e BHP (2015) e da Barragem Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale (2019), algumas medidas foram tomadas para evitar que desastres-crimes socioambientais como esses continuem a acontecer. Exemplo dessas medidas é a Lei n° 14.066/2020, que proíbe a construção de barragens a montante, modelo de alteamento de barragem considerado o mais inseguro, pois usa o próprio rejeito na estrutura da barragem, e prevê a descaracterização das barragens já alteadas por esse método, trata-se de um processo que drena a barragem que depois é aterrada e coberta por vegetação.
Em função do risco de rompimento da Barragem Doutor, feita a montante, o MPMG ajuizou a Ação Civil Pública (ACP) que tem como parte dos objetivos o descomissionamento e a descaracterização da barragem da Vale, em Antônio Pereira. Outra ACP, também ajuizada pelo MPMG, trata especificamente da defesa dos Direitos Humanos das pessoas que estavam sendo removidas de suas residências (pois essas seriam imediatamente destruídas em caso de rompimento da barragem) e dos demais moradores do distrito de Antônio Pereira.
Os Núcleos Comunitários de Antônio Pereira
O Instituto Guaicuy organizou a comunidade de Antônio Pereira Pereira em núcleos comunitários, por regiões próximas, e está realizando reuniões para reconhecimento e discussão dos danos causados pela Vale no distrito. Esse é um exercício proposto pela Assessoria Técnica Independente para que as pessoas possam, futuramente, relatar os danos ao Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA), entidade técnica multidisciplinar que vai elaborar a matriz de danos em Antônio Pereira. Toda a comunidade está contemplada na organização dos núcleos!
Priscilla Bitencourt Freitas, da equipe de mobilização do Guaicuy, falou sobre o papel da ATI no auxílio à organização social da comunidade em prol da reparação: “os núcleos comunitários são formas de organizar as pessoas para que possam trabalhar melhor as questões dos danos (…). Esses espaços servem para que a população se organize para levar para o processo, da melhor maneira possível, o que está acontecendo no território”. Priscilla reforça ainda que a comunidade pode continuar organizada e fazendo frente na luta contra a violação de direitos mesmo após a saída da ATI do território.
O Guaicuy reforça que se reunirá periodicamente com cada núcleo, e que é importante as pessoas participarem desses espaços coletivos de luta pela reparação. Em caso de dúvidas sobre o processo de reparação ou sobre a ATI, entre em contato com o Guaicuy pelo telefone ou WhatsApp do Relacionamento Digital: (31) 97256-2131 ou pelo e-mail: ati.antoniopereira@guaicuy.org.br.
Quais são os núcleos?
-Núcleo 1: Pedreira, Igreja Queimada, Centro histórico e Lapa;
-Núcleo 2: Ribeirinhos e Tabuleiros
-Núcleo 3: Baixada, Projetadas e Loteamento Dom Luciano
-Núcleo 4: Vila Samarco
-Núcleo 5: de pessoas removidas da ZAS