Conheça atuação do Tribunal Permanente dos Povos em defesa dos Territórios do Cerrado 

    Eliana Marques, pescadora de Cachoeira do Choro, levou histórico de violações de direitos por parte da Vale para audiência. 

    A pescadora e liderança comunitária Eliana Marques , moradora de Cachoeira do Choro (Curvelo) sempre se envolveu com os debates sobre temas coletivos. Com o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, foi inevitável não ver sua vida e a de seus amigos, familiares e vizinhos serem afetadas pelas diversas violações de direitos provocadas pelo atingimento da lama no Rio Paraopeba. A falta de acesso à água e a incerteza sobre a contaminação do rio são uns dos principais problemas enfrentados pela comunidade, e foi sobre isto que Eliana falou durante sua participação no Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado. “Mais uma vez juntei as forças para relembrar tudo que estamos passando desde 2019, com a esperança de fazer com que a informação sobre esse crime chegue ainda mais longe”, desabafa. 

    Eliana Marques em sua comunidade, Cachoeira do Choro. (Arquivo Guaicuy)

    O Tribunal Permanente dos Povos foi criado em 1979 na Itália, como desdobramento do Tribunal Russell, constituído em 1966 para investigar crimes e atrocidades na guerra do Vietnã. Ele foi feito para julgar crimes praticados contra minorias e não tem efeito condenatório do ponto de vista jurídico, mas é simbólico por reunir pessoas de relevância mundial, que aproveitam o espaço para jogar luz em situações e violações de direitos graves. As discussões contribuem para a incidência na formulação de legislações nacionais e internacionais. 

    Em novembro de 2019, durante a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado – uma articulação de 56 movimentos e organizações sociais – foi encaminhado ao TPP a sugestão de uma Sessão Especial para julgar o crime de ecocídio contra o Cerrado e o genocídio de seus povos. Na petição, a Campanha denunciou que, se nada fosse feito para frear a devastação do Cerrado, haveria o aprofundamento, de forma irreversível, do ecocídio, com a extinção. 

    O TPP acolheu a petição, e após alguns obstáculos temporais impostos pela pandemia de Covid-19, o Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado foi lançado no Brasil em 10 de setembro de 2021. Foi quase um ano de audiências e discussões virtuais sobre 15 casos de violações de direitos de povos e comunidades cerradeiras. 

    O tribunal recebeu denúncias como o dos camponeses do Assentamento de Reforma Agrária Roseli Nunes, no Mato Grosso, que convivem com conflitos causados por um projeto minerário de fosfato e ferro, e dos veredeiros do Norte de Minas, que lutam contra os impactos de empresas da siderurgia invadindo seus territórios. Entre os casos abordados estava a realidade vivenciada por quem mora em Cachoeira do Choro, tendo como representante a pescadora Eliana Marques, que participou contando sobre a luta de sua comunidade pelo direito à terra, à água, à saúde e reparação integral diante dos danos causados pela Vale após o rompimento da barragem de Fundão, em Brumadinho, em 2019. 

    No dia 10 de julho de 2022, em Goiânia, houve o veredito do Tribunal, que condenou o Estado Brasileiro pelos crimes de Ecocídio e Genocídio e reconhecendo a responsabilidade compartilhada dos demais acusados (organizações internacionais e agentes privados, como empresas transnacionais e fundos de investimento). 

    “Foi importante estar em um lugar de alcance mundial para contar o que a Vale faz com a gente. Contar que diante desses acordo feito com Governo de Minas ela nos prendeu debaixo da lama junto das 272 pessoas mortas, pois paralisou nossas vidas, nos tirando até o direito de ter água em casa”, conta Eliana. A pescadora foi acompanhada de outra moradora de Cachoeira do Choro, Geneci Cristina. Elas contaram com o apoio da equipe do Guaicuy durante a participação do evento, que aconteceu de forma virtual e presencial. 

    O Instituto colaborou na contribuição técnica para elaboração de um documento que serviu de base para contextualizar as violações de direitos humanos ocasionados pelo desastre-crime. O documento, que recentemente foi publicado como um dos fascículos junto de outros casos de violação, auxiliou a embasar tecnicamente a denúncia da comunidade como um dos casos da campanha do cerrado que denunciavam o eco-genocídio do povos do cerrado, evidenciando, assim, outras dimensões dos danos e impactos sofridos pelas comunidades após o rompimento da barragem, como o racismo ambiental e institucional. 

    Recentemente, todos os fascículos foram disponibilizados pelo site.

    Confira o veredito.

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