Pessoas atingidas pelo desastre-crime da Vale criticam Acordo de Brumadinho em Audiência na Câmara Federal

Foi realizada, na tarde de terça-feira (13), uma Audiência Pública na Câmara dos Deputados em Brasília (DF) com o tema “Avaliação do acordo de Brumadinho e desafios na reparação da bacia do Paraopeba”. Pessoas atingidas das cinco regiões, representantes das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), integrantes de movimentos sociais, das Instituições de Justiça (IJs) e do governo federal participaram do debate.

A Audiência foi convocada pelo deputado Rogério Correia (PT-MG) e contou, também, com a participação dos parlamentares Célia Xakriabá (PSOL-MG) e Pedro Aihara (Patriota-MG), que compõem a comissão externa da Câmara que acompanha a situação dos rompimentos de barragens. O foco dos debates foi analisar o Acordo firmado entre o Poder Público e a Vale, em fevereiro de 2021, para reparar os danos coletivos e difusos causados pelo desastre-crime de Brumadinho. Tal acordo está sendo usado como modelo para uma possível repactuação na bacia do Rio Doce. 

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Imagem de Will Shutter – Agência Câmara

Rogério Correia iniciou a Audiência citando que a sua intenção era ouvir as pessoas atingidas do Paraopeba e suas ATIs para entender se o Acordo “é tudo isso que se fala”. Ao longo de mais de quatro horas de debate, pessoas atingidas e ATIs foram categóricas ao criticar a falta de participação na formulação e na execução do Acordo. 

Tiveram direito à fala uma pessoa atingida de cada região, bem como as três Assessorias. Também expuseram suas ideias Joceli Andrioli, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Makota Diundala, representante dos Povos e Comunidades Tradicionais de Religião Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA), Mariana Barbosa Cirne, representante da Advocacia Geral da União (AGU), Jonas Leal, representante do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), e Luiza Dulci, representante da Secretaria-Geral da Presidência da República. 

Intervenção do Instituto Guaicuy

Carla Wstane, diretora do Instituto Guaicuy, falou em nome da Assessoria. Ela relembrou que as pessoas atingidas do Paraopeba, Represa de Três Marias e Rio São Francisco sofrem cotidianamente, até hoje, os absurdos provocados pelo desastre-crime. “O mais grave é a não participação das pessoas atingidas nas decisões que se vinculam diretamente às suas próprias vidas”, criticou. 

“As pessoas não pediram para serem atingidas e são constantemente criminalizadas”, completou. Carla Wstane lembrou que o trabalho das ATIs está sendo precarizado pelos cortes recentes de orçamento e ressaltou que a organização das pessoas atingidas pressupõe uma Assessoria Técnica Independente com qualidade, durante todo o processo de reparação.

Também defendeu que as pessoas atingidas tenham participação garantida na composição do Comitê de Compromitentes e que devem ser as próprias pessoas aquelas que definem quem foi atingido, e não a empresa-ré ou as Instituições de Justiça. Por fim, disse que o Acordo não deve sobrepor o direito das pessoas atingidas à indenização individual, como tem defendido a Vale. 

Assista à fala completa de Carla Wstane:

Falas das pessoas atingidas

Eunice Godinho, da comunidade de Cachoeira do Choro em Curvelo (Região 4), fez duas intervenções na Audiência. Na primeira, defendeu a importância das Assessorias Técnicas e avaliou que o trabalho das ATIs está sendo engessado. “A Assessoria é muito importante para nós, porque ela nos trouxe o entendimento do grau de atingimento que cada região sofreu. Sem a ATI, nós continuaríamos sendo uma presa fácil para a Vale dentro do território”, disse.

Na sua segunda fala, Eunice criticou o Acordo. Afirmou que o governador Romeu Zema e os demais Compromitentes medem as pessoas atingidas “pelas suas réguas”, acreditando que as pessoas atingidas querem apenas dinheiro como reparação. “Queremos dinheiro também, porque tivemos perdas”, completou. “Se eles tivessem pensado com nossa dor e com nosso sofrimento, teriam prioritariamente pensado na questão da saúde”, ressaltou.

Lembrou que as pessoas atingidas estão adoecidas, psicológica e fisicamente. Que há casos de alcoolismo, violência familiar e suicídios nos territórios. E que não há, sequer, protocolos no Sistema Único de Saúde (SUS) para atender as pessoas atingidas. Por fim, defendeu que, no possível Acordo do Rio Doce, as pessoas atingidas tenham participação ativa e façam parte dos Compromitentes.

Veja as falas completas de Eunice Godinho:

Liderjane Gomes, do povo indígena Kaxixó de Martinho Campos (Região 5), falou em seguida. Ela explicou aos presentes que o povo Kaxixó foi atingido de uma maneira diferente, já que não vive às margens do rio Paraopeba, e sim do rio Pará. “Perder um rio é muito triste. Perdemos um jeito de viver, um jeito de ser”, afirmou.

“O Paraopeba estando morto como está hoje, está sufocando o rio Pará. Os pescadores migraram para o Pará. Onde a gente banhava, hoje não pode banhar”, contou. Liderjane afirmou que a vazão do rio Pará está diminuindo também porque, sem o Paraopeba, algumas cidades estão captando água do Pará para abastecer a população. Tal ação é prejudicial aos peixes, já que com menos vazão, se formam menos lagoas, onde os peixes podem botar ovos tranquilamente. Sua fala demonstra como os danos causados pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho não estão restritos aos limites territoriais que a própria empresa-ré e os Compromitentes pretendem impor para o processo de reparação.

Por fim, lembrou que o povo Kaxixó foi o primeiro da Região 5 a receber o Programa de Transferência de Renda (PTR) e que muitas outras comunidades ainda estão esperando pelo programa. “A gente não quer ser o único, a gente quer que todo mundo tenha. Tem muita gente que ainda não recebe e tá passando necessidade e dificuldade”, criticou.

Veja a fala completa de Liderjane Gomes:

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