A ação individual é um dos possíveis caminhos para se obter a reparação dos direitos individuais violados, o que é assegurado por lei. Contudo, é preciso destacar que não é porque uma pessoa entrou com uma ação no judiciário que irá ganhá-la.
A pessoa que entrou com uma ação deverá apresentar provas que demonstrem ao juiz a verdade do que é alegado no seu pedido. Já quem é alvo da ação também possui o direito de comprovar sua narrativa e mostrar que o pedido inicial não possui fundamento.
Isso tudo ocorre para que a decisão do juízo seja embasada, para evitar injustiças e que seja encontrada a melhor solução possível. Dessa forma, mover uma ação de indenização individual exige responsabilidade, estratégia e compromisso daqueles que participam do processo, seja autor, réu ou advogado das partes.
1. Tenho interesse em mover uma ação individual. Quais passos devo seguir?
Ao optar por esse caminho, isto é, o ajuizamento de uma ação judicial individual, o autor poderá entrar em contato com uma advogada ou advogado que seja de sua confiança e que tenha a capacidade técnica exigida para atuar na demanda.
Lembrando também que a pessoa pode optar pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG) para ajuizar sua ação indenizatória individual, de forma gratuita.
Uma vez em diálogo, o advogado tem o dever de explicar para o seu cliente, de forma transparente, sobre os riscos e as consequências de se ajuizar uma ação, tratar da viabilidade de se ingressar com a ação, como já falamos no artigo “Ações Individuais: confira 5 informações importantes sobre o tema”, bem como sobre a remuneração devida ao advogados pelos serviços prestados (honorários advocatícios).
Além disso, o advogado deve informar sobre como se dará a participação da pessoa no andamento do processo: quanto à necessidade de sua presença em audiências, à colaboração em se construir um conjunto de provas mais específicas e adequadas ao caso concreto, capazes de convencer o juiz – sejam elas documentais, testemunhais ou periciais, ou, ainda, na indicação de testemunhas, dentre outros aspectos, que serão tratados ao longo do texto.
Em seguida, uma vez negociadas as condições da prestação de serviços, assim como os riscos do processo, para que o advogado possa representá-lo, será necessária a assinatura de alguns documentos. É fundamental que o cliente fique com uma via do contrato de prestação de serviços. Deste modo, o cliente sempre tem em casa tudo o que assinou, nada pode ficar de fora:
- contrato de prestação de serviços, no qual fica ajustado a identificação dos advogados responsáveis, o que eles podem fazer em nome do cliente, e o valor a ser pago pelos serviços prestados pelos advogados, isto é, os honorários advocatícios;
- procuração, que é o documento por meio do qual a pessoa transfere poderes para o advogado, que poderá atuar em nome da parte;
- declaração de hipossuficiência (“declaração de pobreza”), que é utilizada para requerer a isenção das custas processuais e honorários de sucumbência.
Nesse último caso, será avaliada junto com o advogado a possibilidade, ou não, de a pessoa arcar com os custos do processo. Se a pessoa não puder pagar esses custos, o advogado pode pedir no processo que o juiz conceda o direito à justiça gratuita. A pessoa precisará assinar uma declaração de hipossuficiência, ou seja, de que não tem condições de pagar as custas e despesas processuais.
Documentos | Qual o seu conteúdo? |
Contrato de prestação de serviços | Detalha os serviços a serem prestados pelo advogado e o valor a ser pago, bem como a forma de pagamento. |
Procuração | Transfere poderes para que o advogado possa atuar em nome do cliente. Nele também a pessoa atingida pode fazer constar exatamente para o quê estes poderes podem ser usados. |
Declaração de hipossuficiência (“declaração de pobreza”) | Declara que a pessoa não tem recursos financeiros para pagar os custos do processo. |
RISCOS
2. Riscos do ajuizamento de ações individuais
Bom, é preciso destacar inicialmente que o ajuizamento de uma ação não tem como resultado garantido a obtenção da “vantagem” defendida como justa e devida à pessoa que entrou com a ação. Para que a ré seja condenada, a pessoa, além de apontar o dano que sofreu, terá que comprovar a relação entre este dano e a conduta (ação ou omissão) da parte ré. É o que chamam de “nexo causal”. Por isso, se não houver comprovação do que a pessoa alega no processo, pode acontecer de receber uma resposta negativa do juiz ao pedido feito na ação.
Se a pessoa não tiver obtido o direito à justiça gratuita e “perder” numa ação, ela poderá ser condenada pelo juiz a pagar as custas judiciais e os honorários de sucumbência. O cálculo deste valor será determinado a partir de um percentual sobre o valor da causa. Isso se aplica também para os casos em que o autor desistir de prosseguir com a ação.
As custas judiciais e honorários de sucumbência ainda poderão ser cobrados do beneficiário da justiça gratuita, se no prazo de 5 anos, a situação econômica mudar e a condição de hipossuficiência deixar de existir.
As custas judiciais correspondem à despesa a ser paga ao Estado pela movimentação do processo. Em causas mais complexas, como é o caso da indenização pelos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale, geralmente é necessária perícia técnica: o custo do perito nomeado pelo juízo é um exemplo de custo processual. Já os honorários de sucumbência pagam pelos serviços dos advogados da parte “vencedora”.
Tanto as custas judiciais, como os honorários sucumbenciais poderão ser pagos pela pessoa que teve o pedido de direito à justiça gratuita indeferido pelo juiz.
Outro risco de ações individuais similares, múltiplas e ajuizadas em comarcas (cidades) distintas, é que resultam em decisões discordantes, com ganhos ou perdas desproporcionais para casos similares, decisões que negam pedidos e que concedem valores sem a fundamentação adequada.
Por fim, a ação deve ser trabalhada de forma conjunta, com compromisso por parte do cliente e do advogado, com muita cautela e dedicação, uma vez que, fixado o entendimento da sentença que negue os pedidos, o autor não poderá levar novamente à justiça a discussão daqueles direitos e interesses já julgados, seja por outra ação individual ordinária ou por aproveitamento do que for decidido na ação coletiva (ação civil pública).
Quanto custa uma ação judicial? | |
Valores devidos | O que é? |
Honorários advocatícios | Remuneração paga pelo autor aos seus advogados contratados |
Honorários de sucumbência | Valor que a parte perdedora deve pagar à parte vencedora (ex.: custo de contratar o advogado que o defendeu) |
Custas judiciais | Custas iniciais e honorários pericias |
MEIOS DE PROVA
3. Quais provas preciso para conseguir comprovar os danos que sofri?
Nos termos da lei, a parte poderá utilizar todos os meios legais e morais, ainda que não previstos em lei, para comprovar as suas alegações. O ônus da prova, em regra, cabe a quem alega. Desse modo, ao ajuizar uma ação você se torna responsável por produzir provas capazes de convencer o juiz sobre as afirmações feitas na sua ação.
No momento inicial da elaboração dessa ação, você deverá, junto com seu advogado particular, organizar os documentos essenciais para propor a ação (como a apresentação dos documentos de identificação e do comprovante de endereço; a assinatura da procuração, contrato e, se for o caso, da declaração de hipossuficiência).
O advogado pode solicitar também a realização de perícia, quando tratar de danos mais complexos e que exigem comprovação mais científica e especializada. Os honorários periciais também poderão ser cobrados, no caso de sucumbência, apesar de, em regra, não serem no caso das partes beneficiárias de justiça gratuita.
A ação individual, ao contrário da coletiva, deve tratar, da forma mais fiel à realidade, à situação que a parte vivenciou concretamente em sua realidade e, por isso, um conjunto de provas completo é tão essencial para essa ação. Os documentos deverão ser específicos para cada caso, bem como o depoimento pessoal e a prova testemunhal.
4. Sabemos que o Instituto Guaicuy atua no contexto do processo coletivo. A ação individual interfere nesse processo coletivo? E, se já tenho uma ação individual ajuizada, o que posso fazer?
Os direitos discutidos na ação individual pertencem apenas à pessoa que entrou com essa ação específica; enquanto os direitos discutidos na ação coletiva pertencem a todas as pessoas atingidas. Assim, sua ação individual não prejudica o andamento e o resultado da ação coletiva.
A pessoa que sabe da existência de um processo coletivo relativo a direito do qual seja titular (“dono”) tem a opção de, depois de ter movido ação individual, solicitar a sua suspensão para poder se beneficiar de eventual resultado favorável do processo coletivo.
A suspensão é a melhor dentre as possíveis opções. Nesse caso, o processo fica parado, mas o autor não é prejudicado – não é afetado pela prescrição, por exemplo. Após o julgamento na ação coletiva, o processo poderá ser retomado a partir do ponto em que parou e a pessoa poderá, até mesmo, utilizar o resultado obtido na ação coletiva na ação individual.
No entanto, optar pela suspensão do processo é algo a ser pensado junto com seu advogado. Fatores como os possíveis custos de se manter o processo em aberto ou suspenso, além dos termos do contrato de prestação de serviços firmado, devem ser levados em consideração. A suspensão pode ser um desejo da pessoa mas em acordo com o advogado, de acordo com a estratégia jurídica e com o acordo entre advogado e parte contratante.
Fica o alerta em torno do risco de não aproveitamento dos resultados do processo coletivo ou a impossibilidade de ter acesso à possível diferença dos valores, nos casos em que não houver a suspensão. Nós já tratamos desta questão no artigo: “Prescrição da indenização individual: 4 informações importantes sobre o tema”.
5. Dicas e mitos
- Os direitos que não tiverem sido negados categoricamente na ação individual, poderão ainda ser aproveitados em uma eventual execução dos danos individuais na Ação Civil Pública. Ou seja, é possível que uma pessoa atingida ajuíze uma ação individual, tenha os seus pedidos negados, e, depois, tenha outros pedidos acatados em razão da ação coletiva. Isso só ocorrerá se alguns tipos de danos tenham ficado de fora da decisão do juiz ou de fora dos próprios pedidos elaborados pelo advogado, porque a Justiça brasileira não aceita discutir o mesmo direito, da mesma pessoa, duas vezes.
- Em um caso complexo como o rompimento de uma barragem, os danos são muito variados e, quanto mais se distancia do ponto em que ocorreu o rompimento (Brumadinho), a comprovação e o nexo causal tornam-se mais complexos e dispendiosos.
- Isso significa que todas as pessoas que tenham sofrido dano são pessoas atingidas e têm direito à indenização individual, mas que o caminho judicial para isso é mais árduo.
- Por isso na construção da matriz de danos no Paraopeba, mas também na matriz de danos coletiva aprovada e já funcionando no Rio Doce, fala-se em danos e em formas de reconhecimento específicas, de forma a facilitar a documentação e o acesso de mais pessoas à indenização. Incluiu principalmente comunidades distantes do ponto do rompimento e categorias profissionais como os pescadores, que tem mais obstáculos e menos sucesso em ações individuais.
- “Processos individuais são mais rápidos”: depende. A experiência tem nos mostrado que, o que realmente corre mais rápido, são os acordos. Alguns poucos com valores incríveis, todos com pedido de sigilo por parte da Vale S/A, para que não se saiba os valores praticados. Sabe-se que os acordos extrajudiciais por iniciativa da Vale S/A, já encerrados, contemplaram *pouquíssimos casos na Região 4* e praticamente *ignoraram a Região 5*.
- Além dos acordos extrajudiciais, existem os acordos que ocorrem durante uma ação individual, o que pode ser muito interessante para a pessoa atingida. No entanto, infelizmente, apenas em algumas poucas ações individuais ajuizadas nas regiões 4 e 5 a Vale S/A se dispôs a negociar. Isso tende a ocorrer em casos com farta comprovação documental ou com grande visibilidade política e social.
- À parte dessas poucas exceções, em que a Vale S/A teve interesse em negociar, as ações individuais das Regiões 4 e 5 seguem sem definição judicial, à espera de perícia, complementação documental ou foram indeferidas de pronto, até o momento do fechamento desse Dicas e Direitos. Essa velocidade, infelizmente, é o normal e esperado na vasta maioria dos casos como esse no nosso atual sistema de Justiça.
- Nunca é demais lembrar: o coletivo fortalece o individual e o individual não prejudica o coletivo, desde que todos estejamos juntos e conscientes das diferentes dimensões da luta.
- PTR não é matéria válida pra se discutir em ações individuais, ele faz parte do Acordo, assim como os projetos e obras do Anexo 1.1 e 1.3. Vamos focar no que importa quando falamos das ações individuais e evitar frustrações e expectativas indevidas: indenização pelos danos causados, e eles são muitos!