Vidas de pescadores e pescadoras da bacia do Paraopeba e do Lago de Três Marias permanecem longe dos barcos fartos de peixe após o rompimento da barragem da Vale, há quase dois anos e meio.
O dia do pescador é celebrado em 29 de junho, em homenagem a São Pedro, padroeiro de uma das profissões mais antigas do mundo. No entanto, pelo segundo ano seguido, não será comemorado por tantos ribeirinhos mineiros com o barco farto. É o caso de Dulcilene Pinto, que há dois anos e meio teve sua rotina familiar revirada pela lama.
Acostumada a pescar com o marido na Represa de Três Marias para ganhar a vida, ela se lembra com detalhes da data de 25 de janeiro de 2019, quando a barragem da Vale rompeu em Brumadinho, a cerca de 220 quilômetros de Felixlândia, onde mora. “Alguns dias depois, o cheiro era tão forte que eu fiquei duas semanas de cama, passando mal. Depois disso, os peixes sumiram. Se antes eu e meu marido pescávamos por dia uma média de 50 kg de peixe, tendo uma renda de cerca de R$ 2 mil por semana, agora é comum passar dez dias sem pegar um sequer”.
As consequências do rompimento da barragem da Vale sobre o rio Paraopeba ainda não foram totalmente mensuradas. Os mais de 13 milhões de metros cúbicos de lama despejados sobre o leito, que levaram à morte de 270 pessoas, causou sérios impactos sociais, ambientais e econômicos por todo o curso do rio.
A vida depois do rompimento
Com o rompimento, atividades extrativistas, como a agricultura e a pesca, foram diretamente impactadas não só na bacia do Paraopeba, mas também nas comunidades ao redor da barragem de Três Marias, como é o caso da região onde Dulcilene mora.
Se antes era possível Dulcilene sustentar a família de seis pessoas com o dinheiro vindo da pescaria, hoje tudo teve que ser remanejado. O marido precisou mudar de profissão e atualmente presta serviço pilotando lanchas. Já ela, segue como pescadora, mas teve que readequar os gastos para um orçamento muito abaixo do que era antes.
“Nosso peixeiro compra cada vez menos, as pessoas têm medo de comer o pescado do Lago de Três Marias, e por isso ele foi desvalorizado. Também quase não vem mais turistas para os lados de cá. Eu mesma não tenho mais coragem de entrar na água, nem deixo minhas meninas entrarem”. desabafa.
Segundo ela, a mineradora Vale procurou os moradores de sua comunidade uma única vez, logo após o rompimento, para realizar um cadastro. Mas que, depois disso, nunca mais estabeleceu contato nem ofereceu nenhum tipo de auxílio financeiro.
Para Jonas Veloso, advogado popular do Instituto Guciaucy, somente os atingidos podem dizer o que mudou na vida deles após o rompimento. Ele ainda lembra que as pessoas são afetadas de formas diferentes. Segundo Jonas, desde de Brumadinho até o Lago de Três Marias, os danos estão sendo verificados com a atuação conjunta das comunidades e das assessorias técnicas independentes:
“Cada grupo, cada construção social teve sua parcela de prejuízo em relação ao rompimento. Se alguém pescava uma quantidade de peixe e não consegue mais, ou precisou buscar uma outra profissão, ou teve que mudar de onde morava. Se uma espécie de peixe que costumava pescar não aparece mais, se teve dificuldade de comercialização ou então redução do valor do pescado. Essas e muitas outras questões atravessam a vida dessas pessoas, é importante lembrar que elas têm direitos de serem reparadas integralmente”.
Análises de água
O uso da água bruta do Rio Paraopeba, entre Brumadinho e Pompéu, continua suspenso, de acordo com o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). O Instituto Guaicuy, enquanto assessoria técnica independente das áreas 4 (Curvelo e Pompéu) e 5 (Felixlândia, Três Marias, Abaeté, Morada Nova De Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Biquinhas) tem realizado os levantamentos de dados ambientais.
As ações buscam compreender os potenciais danos causados ao longo da bacia do Paraopeba pelo rejeito do rompimento da barragem. As coletas e análises iniciaram em outubro de 2020 e correspondem às matrizes de água subterrânea, água superficial, solos, sedimentos e comunidades aquáticas, dentre elas, os peixes.
O objetivo dessas análises é gerar informações qualificadas para fornecer às comunidades atingidas um parecer sobre a situação das águas, contribuindo com um processo de reparação de danos que seja participativo.
Como foram feitas as análises de água
De acordo com a equipe responsável pelas análises, até junho de 2021 foram realizadas seis campanhas de coletas de águas superficiais no rio Paraopeba e nos reservatórios de Retiro Baixo e Três Marias. As amostras foram coletadas em diversos pontos e profundidades localizados nas margens do rio e dos reservatórios. Em março de 2021 foram iniciadas as coletas de peixes e demais organismos aquáticos, incluindo as comunidades planctônicas, perifíticas, bentônicas e de macrófitas aquáticas.
Para análise da qualidade das águas subterrâneas (poços e cisternas) foram realizadas coletas em quase cem pontos, a partir de demandas das pessoas atingidas. Além disso, em julho serão feitas as coletas de solos, que têm como objetivo identificar potenciais impactos dos rejeitos tanto na calha do rio Paraopeba como em toda a área afetada do entorno.
Resultados parciais das análises
As análises de águas superficiais mostraram alterações nas concentrações de metais acima dos limites estabelecidos pela legislação tanto na área 4 quanto na área 5. Na área 4, aqueles que apresentaram os maiores percentuais de alterações em um total de 22 amostras analisadas foram: Alumínio dissolvido (81,2%), Ferro dissolvido (50%) e Manganês Total (63,6%).
Já na área 5, as frequências de violação dos limites permitidos foram percentualmente menores e corresponderam, em 36 amostras analisadas, a Alumínio dissolvido (30,6%), Ferro dissolvido (8,3%) e o Manganês Total (5,5%)
As análises desenvolvidas até agora referem-se aos resultados parciais de monitoramento da qualidade das águas e estudos ambientais em andamento pelo Instituto Guaicuy. “Ressalta-se que resultados conclusivos dependem da realização de mais estudos a médio e longo prazos, capazes de retratar diversos fatores ambientais que também atuam sobre a qualidade ambiental, como os períodos de chuva e estiagem”, explica Monica Campos, da equipe de análises ambientais do Guaicuy.