Recanto do Laranjo: a força de quem segue na luta pela reparação integral

Tainara Torres

Já são dois anos desde que a visão do quintal de casa, cercado pelas águas da hidrelétrica do Retiro Baixo, amanhece diferente. A imposição de um novo cenário é lembrada todo dia por aqueles que antes tinham outro olhar do horizonte, que viviam com a certeza de não precisar contar só com a memória para lembrar de como era pescar no rio. Aliás, por vezes parece difícil entender onde começa um e onde termina o outro: o rio que era casa, a casa que era o rio. Para muitas pessoas atingidas, estar no rio era o mesmo que se sentir em casa. 

Localizada a mais de 200 quilômetros de onde aconteceu o rompimento da barragem Mina I, Córrego do Feijão, em Brumadinho, está a comunidade de Recanto do Laranjo. Um lugar onde a maior fonte de renda era a pesca. E claro, para quem vive ou visita ali, sinônimo de lazer, tranquilidade e descanso. 

Por lá, o convite para tomar um suco na cozinha de casa e ouvir histórias sobre a pescaria é quase sempre certeiro. São as boas memórias, carregadas com orgulho por quem pertence àquele espaço. “Desde o rompimento, uma série de consequências surgiram na vida dos atingidos e atingidas da bacia inteira,  não só de Brumadinho. Eles e elas estão além de Betim, além de Paraopeba, além de Pompéu”, reitera Pedro Aguiar, coordenador do Setor Agrário do Instituto Guaicuy, sobre a importância de se pensar toda a abrangência e gravidade territorial do rompimento. 

Foi no bar e mercearia Sabor do Laranjo, na comunidade do Recanto, ao pôr do sol, que aproximadamente 10 pessoas atingidas aguardavam pela exibição de uma vídeo-carta destinada à comunidade. Reunidas a partir da RENSER (Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário), com apoio das ATIs, as vídeo-cartas foram trocas de mensagens de apoio, esperança e luta entre atingidos e atingidas na data em que o rompimento completava seus dois anos de impunidade. 

No vídeo, a integrante do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, Ângohó, e o cacique Raiô, deixaram uma mensagem que muito simboliza a potência da união de todas as comunidades atingidas ao longo da bacia. “Eles podem tentar apagar a nossa história, mas eles não conseguem. Eles podem tentar quebrar os nossos galhos, mas nossas raízes são profundas, e elas nascem com árvores mais fortes. A mensagem de esperança que eu deixo é: lutar sempre e desistir jamais!”, diz Ãngohó. Cacique Raiô completa, “o nosso povo é resistente, são mais de 1500 anos de luta nesse país com papel e caneta ingrata. Estamos juntos.” 

Nos desenhos das crianças do Recanto é fácil identificar o antes e o depois. Através deles, os pequenos contam a história e remontam a comunidade em uma dimensão inigualável, onde qualquer cifra financeira se reduz a quase nada: eles mostram as pessoas felizes. O contraste fica,  então,  cada vez mais evidente: do sossego surge a incerteza e a angústia. A água, que agora chega engarrafada, é entregue com atrasos por uma terceirizada da empresa Vale. Nem todo mundo recebe o ítem mais abundante daquele território. A empresa ré no processo judicial parece tentar impor tudo, inclusive quem tem direito ou não à água, baseada em um modelo de descaso e de desenvolvimento que não inclui as pessoas e que não pensa a vida.

“É muito sofrimento. Acabou nosso lazer, eu tenho medo até de comer o peixe. Às vezes, sinto vontade de abandonar isso aqui, porque a gente têm medo. Mas eu fico e cuido das coisas, vai que um dia melhora”, a fala, do atingido de Recanto do Laranjo, diz muito sobre o que é conviver com esse novo cenário.

O dia 25 de Janeiro, lembrado como instrumento de luta, é o que renova o fôlego daqueles que seguem, diariamente, buscando por direitos básicos, por reconhecimento e por respeito.  “São dois anos de muita luta, e assim nós vamos continuar, porque enquanto os governantes seguem não olhando pra gente, nós vamos conseguir, com luta”. A atingida, da comunidade do Laranjo, entende que só através da união é possível ter força nesse jogo, “não é uma ou outra pessoa que decide, que pensa, é todo mundo, é o conjunto.” 

Dentro dos territórios, as pessoas contam, através do olhar, o que tende a ser as inquietações de atingidos e atingidas pela mineração exploratória no Brasil hoje: que causa danos, não cumpre determinações judicias e tenta, a todo custo, silenciar.

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