Manifesto pela participação das pessoas atingidas na discussão do acordo judicial entre Vale S.A, Estado de MG e Instituições de Justiça

Neste sábado (05/12), comissões e comunidades que reúnem pessoas atingidas de toda a Bacia do Paraopeba e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) aprovaram um manifesto contra a falta de participação e transparência nas negociações do acordo entre a Vale, Governo de Minas Gerais e Instituições de Justiça.

O documento aponta premissas e reivindicações que garantam a participação informada, e ressalta que o manifesto por si não pode ser entendido como evidência de participação.

O manifesto foi construído em reuniões ao longo das últimas semanas entre as comunidades atingidas, de Brumadinho a Três Marias, com o apoio das Assessorias Técnicas Independentes (Instituto Guaicuy, Aedas e Nacab) e da Coordenação Metodológica Finalística (PUC Minas).

Clique aqui para baixar o manifesto em PDF.

Leia o manifesto na íntegra:

MANIFESTO PELA PARTICIPAÇÃO DAS PESSOAS ATINGIDAS NA DISCUSSÃO DO ACORDO JUDICIAL ENTRE VALE S.A, ESTADO DE MG E INSTITUIÇÕES DE JUSTIÇA

Nós, pessoas da Bacia do Paraopeba, atingidas pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, após reunião em 4 plenárias de porta-vozes de todas as comissões reconhecidas pelas comunidades e pelas Instituições de Justiça, das cinco regiões atingidas, sobre a proposta de acordo que o Estado, Instituições de Justiça – IJs (Ministério Público Federal, Estadual e Defensoria Pública) e Vale S.A pretendem celebrar, vêm a público manifestar a sua atual discordância da aprovação de um acordo discutido e elaborado sem a devida participação informada – conforme conceituado no processo judicial – das pessoas e comunidades atingidas, pelos motivos que seguem abaixo.

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão causou, causa e poderá causar, por tempo ainda não mensurado, graves danos a milhares de pessoas atingidas – como por exemplo problemas de saúde, perda de vidas humanas, postos de trabalho, acesso à renda, alimentação e água, causados exclusivamente pela Vale S.A. De acordo com a Constituição Federal e legislação ambiental, a Vale S.A, deverá reparar todos os danos e prejuízos causados pelo rompimento. Para isso, está em andamento um processo judicial, com objetivo de identificar todos os danos e decidir sobre a reparação integral, seu modo e forma.

Durante o andamento do processo judicial, sem a devida escuta ou participação das pessoas atingidas, o Estado de Minas Gerais, a Vale S.A e as IJs iniciaram negociações para celebrar um acordo para possível resolução do processo. Tal acordo busca definir alguns danos que já foram identificados, o valor correspondente, a forma de gestão, fiscalização, os projetos e seu detalhamento.

Diante desse cenário as comissões e comunidades atingidas apoiadas pelas Assessorias Técnicas (ATIs), Coordenação Metodológica Finalística, respeitando as restrições de confidencialidade que foram impostas, implementaram atividades e métodos para garantir, ao menos, o direito de informação e debate das pessoas atingidas. Também, com apoio das IJs, foram realizados diversos pedidos para a garantia de participação da população na formulação do acordo (que, até agora, não foram atendidos).

Assim, apresentamos a toda sociedade as reivindicações e premissas que deverão ser

respeitadas para que as pessoas atingidas se disponham a participar do acordo, ressaltando que, de forma alguma, pode ser entendida como evidência de que as pessoas atingidas estão efetivamente participando de sua construção:

PARTICIPAÇÃO COMO PRIMEIRA CONDIÇÃO. O acordo deve ser elaborado por meio de um amplo e transparente processo de participação de todas as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale S.A, de Brumadinho à Três Marias, passando por toda a Bacia do Rio Paraopeba, inclusive aqueles ainda não reconhecidos, os povos tradicionais e demais comunidades, nos termos da Convenção OIT 169;

TRANSPARÊNCIA COMO PRESSUPOSTO. As propostas e documentos apresentados devem ser disponibilizados, com prazo adequado para apreciação, às pessoas atingidas, com a revogação de sua confidencialidade e acesso irrestrito à informação;

1. VALORES: NADA MENOS QUE O NECESSÁRIO E JUSTO. O teto do valor do acordo deve ser suficiente para que a reparação seja integral e justa, deve abarcar danos de valor ainda incalculáveis, danos em progressão e danos futuros. Em relação aos danos morais

coletivos, a reparação deve ser recalculada e validada pelas pessoas atingidas com o apoio das suas ATIs, com base no lucro atualizado da poluidora-pagadora no último trimestre, e ser suficiente para contemplar todos os danos das comunidades atingidas;

2. O RECURSO É NOSSO. O acordo deve garantir uma distribuição proporcional e justa de valores para diferentes danos e vítimas. Os projetos socioeconômicos para reparação de danos morais coletivos sofridos pela população não devem dar quitação total aos possíveis danos mensurados. Deverão ser considerados os danos levantados pelas ATIs, pessoas atingidas e CTC-UFMG para cálculos dos valores de danos morais e coletivos das comunidades atingidas;

3. DIREITO À PARTICIPAÇÃO INFORMADA. O acordo deve garantir a atuação das pessoas atingidas e assessorias técnicas em todas as fases da reparação, com recursos suficientes, não limitados previamente e distintos dos indenizatórios; 

4. PARTICIPAÇÃO: NADA MENOS QUE A PARIDADE. Levantamento de dados, elaboração, planejamento, gestão, fiscalização, decisão e qualquer ação relacionada à reparação devem ser feitas a partir de estruturas com a presença das pessoas atingidas, em igual participação e poder de decisão das instituições de Estado e demais instituições que fazem parte do acordo;

5. O PAPEL DO POLUIDOR PAGADOR: FORA VALE!!! O papel da Vale na reparação deve estar restrito apenas ao pagamento das medidas. Deve ser vetada sua participação, e de instituições a ela vinculadas (sejam vínculos comerciais ou de quaisquer outras naturezas), nas estruturas de gestão e implementação do acordo, assim como na definição de critérios ou execução de medidas reparatórias. Deve ser descartado o atual papel da empresa na definição de critérios para a reparação integral e na Avaliação de Risco à Saúde Humana, que deverão ser realizados pela legislação ambiental (SISEMA) e Ministério Público. SÃO AS VÍTIMAS QUE DECIDEM O QUE REPARAR E COMO;

6. FISCALIZAÇÃO E PUNIÇÃO Apesar de suas propagandas enganosas, a Vale S.A está constantemente descumprindo os acordos já firmados – por exemplo o pagamento emergencial, distribuição de água e demais auxílios –  sem qualquer punição, conforme denúncias das IJs e Comissões. Tais acordos não podem ser abatidos do valor negociado. Devem ser garantidas formas de fiscalização, apreciação judicial e severas multas aos descumprimentos da Vale e a proibição da realização de publicidade com base no acordo; A poluidora pagadora não poderá se utilizar das ações de reparação, mitigação ou indenização acordadas ou decididas em juízo para fins publicitários, para autopromoção ou melhoria da sua imagem institucional, sob nenhuma forma;

7. REPARAÇÃO INTEGRAL! O acordo não deve conter nenhuma negociação ou proposta relativa aos danos individuais e danos individuais homogêneos, e nem finalizar os processos referentes a esses danos. É preciso assegurar o processo de identificação completa dos danos pelas ATIs, assim como garantir a matriz de danos das pessoas atingidas, com decisão participativa e informada;

8. EMERGENCIAL: RESOLVER O PASSIVO E AVANÇAR NA REPARAÇÃO. Deve haver imediata resolução das questões emergenciais acumuladas (passivos) da população atingida, inclusive de pessoas ou comunidades não reconhecidas, excluídas ou não  cadastradas, como renda, atendimento de saúde, distribuição de água às pessoas e aos animais, ração e silagem, conforme critérios em construção pelos atingidos e ATIs, com aplicação de multa pelos descumprimentos da Vale S.A dos acordos já firmados em juízo ou entidade pública;

9. ATÉ A REPARAÇÃO, RENDA NA MÃO! Deverá ser implementada política de reparação econômica coletiva, por exemplo, via um programa de renda, não gerido pela Vale, construído pelas pessoas atingidas e as ATIs, com transparência de gestão, que deverá perdurar até a reparação integral. Durante o processo de transição até a implementação da política, deverá ser mantido o atual pagamento do auxílio emergencial, cumprindo de forma imediata as pendências existentes no mesmo.

Não há oposição à possibilidade de um acordo no processo, desde que justo, transparente, participativo, condizente com o interesse público e os direitos da população atingida. Porém, não é esse o caso e as pessoas atingidas afirmam rejeitar a celebração de um acordo cujos termos e propostas não foram devidamente compartilhados, explicados ou debatidos com a população atingida.

Reafirmamos nosso posicionamento: é preciso participação informada e decisão das pessoas atingidas em todo o processo de discussão de um possível acordo e na sua eventual governança, assim como as demais reivindicações apresentadas, para garantir a mínima justiça no acordo. Caso sejam atendidas essas reivindicações, será implementado um cronograma de discussão e participação informada sobre o acordo no mínimo até o dia 25/01/2021, com a construção de uma posição consolidada das pessoas atingidas sobre suas propostas e termos, que será apresentada no processo judicial e divulgada amplamente.

ASSINAM este manifesto as Comissões e Comunidades de Atingidos da Bacia do Paraopeba e o Movimento dos Atingidos por Barragens.

ENDOSSAM este manifesto as Assessorias Técnicas Independentes (AEDAS, NACAB e GUAICUY) e a Coordenação e Acompanhamento Metodológico e Finalístico (CAMF/PUC Minas).

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