Neste dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, convidamos todas e todos para uma reflexão sobre a relação entre racismo e a mineração em Minas
Neste dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, apresento minha contribuição para a série “Minas de Resistência”, convidando a todas e todos para uma reflexão sobre a relação entre racismo e a mineração em Minas Gerais.
A exploração mineral no período colonial foi marcada pela mão de obra escrava, tanto nos ciclos do ouro como do diamante, de modo que a própria história da mineração tem as marcas de sangue do povo negro, como já apontado por Jarbas Vieira, da Coordenação Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM.
O pesquisador e Engenheiro Civil, Eduardo Ferreira, nos conta a história do povo negro e da mineração relembrando que os negros trazidos de África para serem escravizados nas minas, eram uma mão de obra especializada, que detinha tal tecnologia e conhecimentos, já que o português não sabia minerar.
Nos dias atuais, observamos que territórios racializados, tais como indígenas e quilombolas, lidam cotidianamente com ameaças e/ou danos decorrentes do avanço dos interesses capitalistas, já que são esses territórios que contrariam interesses imobiliários, de grandes empresas, com seus projetos de desenvolvimento como agronegócio, mineração, latifundiários e especuladores de terras.
O caso do rompimento da barragem da Samarco/Vale/Bhp Biliton mostra que essa relação do descarte da população não-branca persiste na mineração. Dados apresentados sobre o desastre-crime ocorrido em 2015 destacam a maior concentração de pessoas negras próximo às principais estruturas do empreendimento, ou seja, nos locais com maior risco de serem atingidos.
Importante reforçar aqui o contexto do Projeto Minas Rio, em Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas. São cidades atingidas pelo mega projeto de mineração Complexo Minas Rio, com diversas comunidades tradicionais que jamais foram consultadas sobre a chegada do empreendimento, em desconformidade com preceitos nacionais e internacionais, como é o caso da Convenção 169, OIT (Decreto 5051/2004).
Como nos conta Elizete Pires de Sena, moradora da comunidade de Passassete, em Conceição do Mato Dentro, e militante do MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração, “Antes era tudo bom aqui. A gente tinha lazer, tinha o rio, que hoje não tem mais. As nossas famílias moravam todas próximas da gente. Tinha tranquilidade na região. Não tinha muita violência”.
Paola da Silva Félix, também militante do MAM, ressalta que a região onde vive, Itapanhoacanga, distrito de Alvorada de Minas, também atingida por esse projeto, historicamente sempre teve ligação com a agricultura familiar, sendo que a base comunitária da economia girava em torno da plantação, do comércio local – pequenas mercearias, padarias, essas lojas familiares. Segundo conta, era uma tranquilidade, até mesmo invejada por outros municípios e não tinha a os danos da mineração, tais como poeira, o aumento da violência, estupro, assédio. Se antes a vida era muito tranquila, hoje se tornou só mais um distrito que sofre com os impactos da mineração da Anglo American, conta.
Importante destacar a composição étnico-racial das comunidades que residem no entorno das estruturas do empreendimento Minas Rio, especialmente à jusante da barragem de rejeitos: tratam-se de comunidades rurais, compostas majoritariamente por pessoas negras. Segundo dados apresentados no estudo Transformações socioambientais e violações de direitos humanos no contexto do empreendimento Minas Rio em Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim, Minas Gerais, a composição étnica racial da população atingida pelo complexo minerário Minas Rio é composta 82% por pessoas não brancas.
Além de ser a população atingida, neste caso, é também a população negra que está submetida aos piores postos de trabalho na empresa. Paola ressalta que o racismo “está evidente na hora de escolha de cargos, na hora de empregar a população. Você vê que os terceirizados, que são esse pessoal que tá trabalhando nos lugares insalubres, na barragem à noite, que precisa acordar de madrugada – essas pessoas são majoritariamente pobres e negras. Enquanto quem recebe os cargos de sentar no escritório, ficar no ar condicionado, mexendo no computador, nas planilhas, dirigindo as caminhonetes com uniforme ‘azulzinho’, é o pessoal que tem dinheiro, que acaba recebendo ainda mais dinheiro e são, na sua grande maioria, pessoas brancas”.
O racismo nos exemplos citados acima, está presente no momento em que as comunidades não são reconhecidas como atingidas; não são consultadas, mesmo sendo comunidades tradicionais; no momento em que elas são sujeitadas à degradação da qualidade da água, à destruição dos cursos d’água, à precarização da infraestrutura rodoviária, à destruição do modo de vida local, na medida em que a agricultura familiar e demais atividades de subsistência tornam-se impraticáveis pelas modificações territoriais.
O racismo perpassa ainda pelo sofrimento dessas pessoas com a piora da saúde física e mental decorrentes dos danos ambientais e sociais causados pela mineração; quando é o povo negro o sujeitado aos piores postos de trabalho.
Não menores, também, são os danos à cultura e aos modos tradicionais de vida. Há que se mencionar, o drama imposto a comunidades localizadas abaixo da barragem de rejeitos da empresa mineradora, que, no caso de Conceição do Mato Dentro vivem sob medo constante, tensão que foi acirrada após os rompimentos em Mariana e Brumadinho.
Se pegarmos o conceito de racismo ambiental cunhado por Robert Bullard, veremos que este se configura como política, prática ou diretiva pública ou privada “que afete ou prejudique, de formas diferentes, voluntária ou involuntariamente, pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça ou cor” impondo altos custos a estes grupos específicos. Isso pode ser facilmente identificado nos exemplos citados.
É importante perceber aqui, que o conceito de racismo ambiental se assemelha com o de racismo institucional defendido pelo ativista negro norte americano, Stokely Carmichael. No texto O Poder Negro¹, ele faz a distinção entre racismo individual e racismo institucional, sendo que este último se refere à operação de forças estabelecidas e respeitadas na sociedade e também “à falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica”. Muito embora as concepções de racismo ambiental e institucional, colocadas acima, sejam avanços em relação a outras concepções mais individualistas de racismo, precisamos avançar na crítica sobre o caráter estrutural do racismo e sua relação com o modelo de desenvolvimento.
O professor Silvio Almeida, reforça que as instituições têm sua atuação condicionada a uma estrutura social, sendo portanto a materialização de uma estrutura social. Em outras palavras, as instituições são racistas porque a sociedade é racista². Nesse sentido, poderíamos dizer que as empresas e/ou o Estado com seus projetos de desenvolvimento, reproduzem o racismo que é estrutural da sociedade. Diante disso, seria limitado discutirmos a mineração e esse modelo de desenvolvimento sem discutir o racismo em seu caráter estrutural.
Citando Walter Rodney, o professor Silvio Almeida menciona ainda o silêncio das teorias desenvolvimentistas sobre o racismo, já que os modelos de desenvolvimento, por seu compromisso com o capitalismo, tem o racismo como um elemento estrutural, mas que não pode se revelar sem expor contradições insuportáveis, principalmente para aqueles que falam da periferia do capital, formada em sua maioria por negros e indígenas³.
Assim, para esse Dia Nacional da Consciência Negra, o convite é para refletirmos de forma crítica sobre o modelo de desenvolvimento baseado na extração e exportação de commodities, como ocorre com a mineração. Precisamos avançar na construção de um projeto que se diferencie da reprodução do modelo colonial de exploração da natureza e que respeite os territórios tradicionalmente ocupados. Precisamos refletir sobre um modelo que não signifique para nossos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais um genocídio. Enfim, um modelo que não tenha como elemento estrutural para sua reprodução, o racismo.
Seguiremos resistindo a esse modelo de morte!
Fogo!… Queimaram Palmares, Nasceu Canudos. Por Nego Bispo
Fogo!… Queimaram Palmares,
Nasceu Canudos.
Fogo!… Queimaram Canudos,
Nasceu Caldeirões.
Fogo!… Queimaram Caldeirões,
Nasceu Pau de Colher.
Fogo!… Queimaram Pau de Colher…
E nasceram, e nasceram tantas outras comunidades que os vão cansar se continuarem queimando.
Porque mesmo que queimam a escrita,
Não queimarão a oralidade.
Mesque que queimem os símbolos,
Não queimarão os significados.
Mesmo queimando o nosso povo
Não queimarão a ancestralidade.
Nego Bispo
Antônio Bispo dos Santos – Quilombo Saco-curtume em São João do Piauí/PI
¹ CARMICHAEL, Stokely. in PEREIRA, Amauri Mendes. O poder negro. 2016, p. 17
² ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural, 2019, p. 47.
³ Idem, p. 195.
Texto: Larissa Vieira, coordenadora da equipe de Direitos dos Atingidos por Desastres, Obras e Empreendimentos do Instituto Guaicuy e advogada popular.
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