Indenizações: entenda porque novas decisões do caso Brumadinho são conquistas para pessoas atingidas pela Vale 

Juiz Murilo Silvio de Abreu apontou perícia que definirá valor e quem vai ter direito à indenização; ele também determinou “inversão do ônus da prova”. Entenda

O Dia Internacional da Luta contra as Barragens, pelos Rios, pela Água e pela Vida foi marcado por decisões importantes para as pessoas que foram prejudicadas pelo rompimento da barragem da Vale, de Brumadinho a Três Marias, em 26 cidades de Minas Gerais. 

Neste dia (14/03), o juiz Murilo Silvio de Abreu publicou decisão que definiu os rumos das indenizações individuais que servem para reparar os danos individuais que cada pessoa sofreu após a tragédia. 

Clique aqui para ler mais detalhes e veja abaixo a entrevista com o especialista em reparação socioambiental do Instituto Guaicuy, Pedro Andrade. Ele explica porque as decisões do juiz são uma conquista das pessoas atingidas, junto das Assessorias Técnicas Independentes, das Instituições de Justiça e dos movimentos sociais.

Confira!

1. É possível considerar as decisões do juiz Murilo Silvio de Abreu como uma vitória para as pessoas atingidas?

Resposta: É uma vitória enorme, em primeiro lugar porque isso era o que estava pendente no processo. O processo estava parado, não tinha nenhuma definição sobre as indenizações individuais das pessoas atingidas, então agora pela primeira vez a gente está vendo que vai ter resolução esta questão da indenização. Com este procedimento [do juiz] vai ser definido um valor de indenização. A primeira vitória é isso. Finalmente vai ter uma resposta sobre as indenizações individuais.

E a segunda vitória: quando é definido algum perito para definir as indenizações individuais, isso é uma vitória porque significa que tem uma chance muito boa de esta indenização ser justa, de ser um valor alto porque o perito é um órgão independente. É diferente do que ocorre no Rio Doce, em Conceição do Mato Dentro, onde muitas vezes é a empresa que vai definir o valor da indenização, ou a Fundação Renova. E as indenizações vão ter que ser negociadas. Isso é muito ruim porque a empresa passa a ter muito poder sobre as negociações. Agora, quando é um perito que define este valor, significa então que a chance de ser um valor justo é muito alta, é isso que a gente espera, já que é um órgão independente que vai definir o valor da indenização [a UFMG]. 

2. O que a decisão do juiz diz sobre como vão ser definidos os valores das indenizações individuais?

Resposta: Então, sobre esta questão de como as indenizações vão ser pagas, ainda não foi definido. Esta decisão do juiz define [que a perícia vai estabelecer] quanto de indenização vai ser pago e quais pessoas vão ter direito à indenização. É para dizer, por exemplo, “pescadores vão ter direitos a tanto de indenização”. Mas a gente não está definindo ainda como as pessoas vão receber este pagamento, se vão ter que entrar com ação, se vão ter que fazer isso numa mesa de negociação com a Vale, como ocorre no [caso do rompimento da Samarco, Vale e BHP Billiton que ocorreu em Mariana], no Rio Doce. 

A forma de recebimento [das indenizações individuais] ainda não foi definida, nem o que vai ser preciso para provar [o direito ao recebimento]. Por exemplo: se a pessoa vai ter que provar que faz parte de uma colônia de pescadores, se ela tem registro, etc. Nada disso foi definido ainda. O que foi definido é só [o processo que vai definir] quem tem direito e quanto vai ser pago. Isso que esta perícia [da UFMG] vai definir. 

3. Qual vai ser o papel das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) neste processo?

Resposta: As Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) aqui tem esta relação na qual estão vinculadas ao Ministério Público [MP], o que a gente chama de assistentes técnicos. Isso significa que elas vão intervir nesta perícia do lado do MP. Elas podem questionar esta perícia. Por exemplo: se a UFMG definir um valor e as ATIs acharem que o valor está baixo, elas podem intervir na perícia, falando “não, este valor, por a pessoa ser pescador, deveria ser maior, por causa disso e disso…”. Então esta nossa vinculação com o Ministério Público significa que não somos o perito, não somos nós [as ATIs] que vamos definir os valores das indenizações, mas que a gente vai ter o poder de intervir nesta perícia para conseguir que o resultado seja o mais justo possível. 

Todo o trabalho que as ATIs estão fazendo até agora nas reuniões dos atingidos, mapeando danos [fez com que] as ATIs já tenham uma matriz de danos delas. Então com certeza isso vai ajudar que esta perícia seja da melhor forma possível. Quando a perícia ficar pronta, vamos [as ATIs] comparar elas com as matrizes de danos que já estamos fazendo para ver se os valores que o perito está dizendo são os mesmos valores que a ATI está dizendo. Então o trabalho das ATIs até agora vai ajudar muito para que esta perícia tenha um valor justo. 

Clique aqui e relembre quem é quem no processo de reparação dos danos do desastre-crime da Vale.

4. O que significa a “inversão do ônus da prova”, que foi definida pelo juiz na decisão publicada nesta terça-feira (14/03)?

Resposta: Esta inversão do ônus da prova é quando existe uma troca de quem tem a obrigação de provar o que ocorreu, porque tradicionalmente é a vítima ou o Ministério Público [representante das vítimas] que tem que provar que os danos ocorreram e aí a empresa apresenta sua defesa. Quando o juiz faz esta inversão, basicamente, ele está dizendo que vai ter que ser o contrário: vai ser a empresa que vai ter que provar que os danos não ocorreram por causa dela [e do rompimento da barragem na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho]. 

Quando ele [o juiz] define que os danos vão ser avaliados por este perito, que é a UFMG [Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais], basicamente ele está falando que tudo que o perito disser que são danos a gente vai presumir que é verdadeiro. A não ser que a Vale traga prova de que não é responsabilidade dela. É uma coisa que facilita muito que pessoas atingidas consigam receber uma indenização. Reduz o ônus de ter que provar que o dano ocorreu. 

5. Como podemos contextualizar esta decisão do juiz no processo de reparação integral, considerando o processo judicial coletivo e o acordo?

Resposta: Esta questão dos danos individuais era justamente o que estava precisando ser resolvido. O acordo que foi feito em 2021 só resolveu danos coletivos, danos ao meio ambiente, definiu como vai ser a reparação, mas o dinheiro no bolso das pessoas atingidas de verdade, ou seja, a indenização individual por cada dano que cada pessoa sofreu, estava fora deste acordo. Foi muito dinheiro para o Estado [de Minas Gerais], foi muito dinheiro para os projetos do [anexo] 1.1, do [anexo] 1.3, mas este dinheiro para as famílias, para as pessoas atingidas ainda estava pendente de resolução.

As instituições de Justiça [que representam as vítimas da Vale no processo] fizeram este pedido para que fosse tomada uma decisão sobre os danos individuais, aqueles que não tinham sido resolvidos pelo acordo judicial. Então o juiz na época, em julho do ano passado, o Elton [Pupo Nogueira] deu início a este processo em julho do ano passado. Ele chamou as partes [da ação que corre na Justiça contra a Vale] para sugerir como deveria ser feita esta quantificação do valor das indenizações. E, ao longo destes últimos meses, as instituições [de Justiça] foram fazendo propostas para a indenização individual. E agora é outro juiz. Agora em março trocou o juiz do processo, mas o novo juiz [Murilo Silvio de Abreu] deu continuidade ao processo que o Elton tinha iniciado. E, agora, ele tomou uma decisão concreta, escutando o que as partes sugeriram, ele tomou a decisão de que os danos individuais vão ser feitos por um perito, que é a UFMG. 

É um processo que vem sendo construído nos últimos meses justamente para tentar resolver isso que ficou pendente, as indenizações individuais que não tinham sido resolvidas pelo acordo judicial.

6. Quais são os próximos passos deste processo? A Vale pode recorrer da decisão do juiz?

Resposta: Para as Assessorias Técnicas [ATIs], o primeiro passo é fazer um plano de trabalho falando como a gente vai acompanhar a perícia do CTC [Comitê Técnico Científico da UFMG]. Mas, como o juiz tomou uma decisão impositiva, a Vale vai ter o direito de recorrer desta decisão nos tribunais superiores. 

Existem alguns recursos que a Vale pode apresentar. A gente chama eles de embargos de declaração, agravo de instrumento. A Vale vai poder recorrer no Tribunal de Justiça, aquele órgão que fica em Belo Horizonte, que é a segunda instância. A Vale pode tentar derrubar esta decisão do juiz. Agora temos que aguardar para ver se vai ter recurso e ver  o que o Tribunal de Justiça vai decidir. Se o tribunal vai manter ou se o tribunal vai reverter esta decisão.

7. E, como assistentes das instituições de Justiça que representam as pessoas atingidas, qual é, na prática, o trabalho das Assessorias Técnicas Independentes?

Resposta: O trabalho das Assessorias Técnicas Independentes [Guaicuy, Aedas e Nacab] é justamente de trazer este conhecimento técnico para poder rebater eventualmente os argumentos da empresa [sobre danos] ou os argumentos do perito. As ATIs vão ter profissionais especializados: advogados, economistas, pessoas de outras áreas, como das [Ciências] Agrárias. 

Então, quando saírem estes valores de indenização, a Vale vai tentar questionar esses valores. E as ATIs também vão ter esta oportunidade. Elas vão poder falar se estes valores estão adequados, se eles poderiam ser maiores ou não e mais importante: poder rebater do ponto de vista  técnico os argumentos que a empresa vai trazer. Então, o papel da ATI vai ser justamente de ter este conhecimento técnico para poder ajudar na luta das pessoas atingidas, para que tenham uma indenização adequada.

Clique aqui e leia a decisão do juiz na íntegra. 


Entrevista: Fernanda Brescia e Mathias Botelho; Texto: Fernanda Brescia; Edição e revisão: Joana Tavares.

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