Localizada na região Oeste de Belo Horizonte, a região estava ameaçada por uma construtora
Desde 2009, moradores do bairro Havaí, em Belo Horizonte, e ambientalistas protestavam contra a derrubada de árvores em uma área na zona Oeste da capital, a Mata do Havaí. O bairro possui um complexo de nascentes e uma área de preservação permanente que estavam sendo ameaçados pela Precon Engenharia, que pretendia construir um condomínio na região. Na última semana, após diversas mobilizações populares, a empresa desistiu da obra.
Além de estar prevista para acontecer ao lado de uma Área de Preservação Permanente (APP) e colocar em risco remanescentes da Mata Atlântica, a obra apresentava outras irregularidades, como desrespeitar o Plano Diretor da Cidade. De acordo com a Lei do Plano, a região que vinha sendo desmatada pela construtora está dentro da área de proteção ambiental do tipo PA-1.
Ação Civil Pública
Uma das primeiras conquistas nesse processo foi a Ação Civil Pública movida pelo Guaicuy e aceita pela Justiça em junho de 2021. Através dessa ação, foi proibido o corte de mais de 900 árvores na Mata da Represa. À época, a empresa, com autorização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, já tinha iniciado o corte de 927 árvores.
A Coordenadora de Integração do Guaicuy, Marcia Marques, conta que o instituto passou a fazer parte da luta em defesa da Mata da Represa após ser procurado pelos moradores do bairro Havaí, passando, assim, a representá-los na justiça.
Ela também foi procurada pela população do bairro pelo fato de já ter trabalhos desenvolvidos na área. Por trabalhar no Instituto Guaicuy, Marcia acabou fazendo o acompanhamento técnico da ação, acompanhada dos advogados do Instituto Pedro Andrade e Renzyo Costa.
Conquista e novo precedente
A desistência da obra por parte da Precon Engenharia é uma vitória dos moradores do bairro Havaí, do Instituto Guaicuy, do movimento SOS Mata do Havaí, organização Rio das Velhas, do Projeto Manuelzão (projeto de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG) e de toda população do Belo Horizonte, que terá resguardado o seu direito a essa área verde.
“A vitória representa um marco para o município. É a primeira mata derrubada a ser recuperada, abrindo um precedente importante para todas as matas já mapeadas como PA-1 (Proteção Ambiental) e ameaçadas no município. Ressalta-se sua importância para a manutenção da qualidade de vida dos moradores, da vida dos animais, o abastecimento das nascentes e a redução de enchentes devido à maior capacidade de infiltração das águas superficiais”, comemora Marcia Marques.
Próximos passos
A partir de agora, a luta em defesa da Mata do Havaí ganha novos horizontes. As mobilizações já começaram na segunda-feira (13/02) quando foi realizada uma reunião com os integrantes do movimento SOS Mata do Havaí. “Na reunião, foram repassadas as informações técnicas para o movimento. A discussão agora é sobre qual o destino dos lotes que antes estavam sendo usados pela construtora e qual a responsabilidade do movimento no acompanhamento da área, para que ela seja de fato conservada. Foi discutida também a continuação da luta, para que a mata, enfim, se transforme em um parque ecológico, [seguindo] a vontade de todos”, diz Marcia Marques.
Nas redes sociais, o movimento popular SOS Mata do Havaí, comemorou com uma linha do tempo que traz toda a retrospectiva da luta pelo impedimento da construção do condomínio e manutenção da área verde. Confira!
Retrospectiva da luta:
2009 – A comunidade organizou um ofício com 800 assinaturas em abaixo-assinado para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura de Belo Horizonte solicitando destinar a área, de aproximadamente 30 mil m², como Área de Preservação Permanente e sua transformação em parque municipal. Essa iniciativa foi uma tentativa de barrar a especulação imobiliária na região que avançava a passos largos e atacava especialmente as áreas verdes da região Oeste. O Secretário à época, Ronaldo Vasconcelos, designou uma equipe técnica para fazer a vistoria. O Relatório Técnico de número 3439/09 originou um processo (01-151.107-09-05) que comprovou a importância da Mata, com espécies da Mata Atlântica preservada com seu bioma, várias nascentes (olhos d’água), três lagoas, fauna extensa e grande área de drenagem que abastece o Córrego Cercadinho, além de ter “característica ambiental bastante relevante, contribuindo para o microclima da região”.
Conforme Resolução do CONAMA número 303, a área caracteriza-se claramente como Área de Preservação Permanente (APP)”. O relatório técnico indica a adoção de medidas, dentre elas, “a transformação da área em área pública para a criação de um parque, sendo necessária a desapropriação”. Relatório emitido pelo Arquiteto e Urbanista Carlos Henrique Gomes dos Santos e pela Engenheira Agrônoma Mariza Rizck Magalhães – GEAVA/GGAM/SMMA – em 23 de dezembro de 2009.
2012 – Em função de sua importância para a manutenção deste equilíbrio, a área é mapeada e apresenta em torno de 8 nascentes concentradas e difusas que foram cadastradas em 2012 pelo Projeto Valorização de Nascentes Urbanas, do SCBH Arrudas, sendo que duas delas foram revitalizadas, uma com verba proveniente da cobrança do uso da água.
2015 – Alunos do curso de Geografia do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), fizeram uma incursão pela Mata do Havaí para conhecer a realidade local e estudar tecnicamente as nascentes e sua importância para a região da Bacia do Cercadinho, para a cidade de BH e para o abastecimento do Ribeirão Arrudas. O campo foi realizado por meio do Projeto de pesquisa e extensão “Cercadinho Vivo” e os alunos foram orientados pela professora e geógrafa Márcia Marques que atualmente atua como Coordenadora de Integração no Instituto Guaicuy.
2019 – Recuperação da primeira nascente, localizada na área pública da Prefeitura de Belo Horizonte.
2020 – Inauguração da fonte, saída de outras três nascentes situadas na Grota da Ventosa.
2018 – O Conselho Municipal do Meio Ambiente (COMAM) concedeu licença simplificada para empreendimento da Precon na Mata do Havaí, sem qualquer diálogo com a comunidade, que não soube de tal licenciamento. A população foi surpreendida com a construção de longo muro e com a construção de uma portaria de acesso aos lotes adquiridos. Tratores soterraram um olho d’água.
2019 – A Secretaria Municipal de Meio Ambiente autorizou o corte de 927 espécies nos lotes destinados ao empreendimento, dentre as árvores a serem derrubadas havia canelas, cortiça e uma vasta lista de árvores protegidas, como:
-71 ipês amarelos;
-106 ipês brancos;
-12 jacarandás da Bahia;
-20 jacarandá branco;
-13 jacarandá do campo;
-07 paus pereira;
-02 jacarandá preto;
-04 jacarandá paulista;
-03 jacarandá ferro;
-01 angico.
A comunidade não tomou conhecimento dessa autorização, que teve prazo de seis meses. Nesse mesmo ano – em agosto, foi aprovado e sancionado no novo Plano Diretor e a Mata foi mapeada como PA1.
2020 – O COMAM renovou a autorização do corte das árvores.
2021 – Segundo o SOS Mata do Havaí, as máquinas da Precon Engenharia entraram na área e as motosserras fizeram, em pouco mais de uma semana, a devastação de cerca de 12 mil m² da área. Sem qualquer preocupação com a fauna e flora local, os animais iniciaram desesperada revoada à procura de abrigo nas casas vizinhas, primatas invadiram quintais e fios elétricos nas ruas vizinhas e animais de pequenos foram mortos com a derrubada das árvores.
Os moradores do entorno se uniram e imediatamente criaram o Movimento SOS Mata do Havaí, e convocaram a imprensa, fizeram diversas manifestações, abaixo-assinados nas redes sociais, boletins de denúncia, ato público no local, panfletagens no transporte público da região e várias atividades culturais.
Nesse mesmo ano, o Instituto Guaicuy entrou com uma Ação Civil Pública questionando a legalidade dos procedimentos. Com dez dias o Juiz concedeu liminar suspendendo a obra e cassando a licença até o julgamento do pleito e impôs o prazo de dez dias para que a empresa adotasse medidas de proteção do terreno para evitar erosão. Além disso, determinou multa de R$ 10 mil por dia, caso as medidas fossem descumpridas.
No entanto, o Judiciário alegou que não conseguia notificar a empresa por não conseguir o endereço do escritório principal da Precon. Nesse período foram realizadas audiências na Câmara de Belo Horizonte, na Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), visita técnica oficial de vereadores e várias reuniões com o Ministério Público Estadual de MG.
Fevereiro de 2023 – Em reunião com o Ministério Público de MG, a Precon desistiu da obra. A empresa será obrigada a replantar a floresta na área devastada e a manter o local reconstituído.
Saiba mais sobre a importância da Mata do Havaí na matéria publicada pelo Guaicuy em 2021: