Em encontros com autoridades e manifestações na rua pessoas atingidas lutaram por celeridade na reparação integral
No dia em que o rompimento da barragem da Vale no Complexo Minerário do Córrego do Feijão completou quatro anos, dois atos na capital mineira marcaram a luta das pessoas atingidas pela reparação integral. Durante a manhã, um evento organizado por movimentos sociais reuniu autoridades do judiciário, do legislativo mineiro e do governo federal e de MInas Gerais, além pessoas de toda a Bacia do Paraopeba e também do Rio Doce, que foi atingido pelo rompimento da barragem da Samarco, em Bento Rodrigues, em 2015.
Durante o evento da manhã, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou a criação do Conselho Nacional de Política Mineral, que serviria como órgão estratégico para as políticas públicas nacionais, em busca de aprimoramento dos mecanismos de fiscalização e também uma maior sustentabilidade da atividade. “Queremos transformar todas essas tragédias que já aconteceram numa política mineral nacional. Reconhecendo a importância da atividade econômica, mas que não tolerará, em nenhuma hipótese, qualquer tipo de intransigência em relação à segurança da população e à sustentabilidade”, afirmou o ministro.
Alguns representantes das comunidades atingidas da área 4 (comunidades de Pompéu e Curvelo) aproveitaram a ocasião para entregar ao ministro uma carta com diversas reivindicações e também com a cobrança de que não haja impunidade para o crime. Entre outros pontos, pediram pelo acesso ao Programa de Transferência de Renda, pela distribuição de água de qualidade e por indenizações individuais justas.
“Mataram nossos rios, mataram nossos peixes e com isso tiraram nossa paz, cada dia morremos um pouco. A justa reparação não trará as vidas de volta mas fará com que as pessoas não tirem suas próprias vidas por não enxergarem uma luz no fim do túnel, pois a criminosa Vale não admite que somos atingidos”.
Trecho da carta entregue ao ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira
Celeridade no processo
O procurador-geral do Ministério Público de Minas Gerais, Jarbas Soares, falou sobre a mudança da ação civil pública para a Justiça Federal, no final do ano passado. ”Temos compromisso com a sociedade e não com as empresas. Nós estamos assustados com a remessa do processo para a Justiça Federal,mas confiamos na justiça federal e no Ministério Público Federal”, disse.
Já o procurador do Ministério Público Federal Carlos Bruno Ferreira da Silva, coordenador da Força-Tarefa Rio Doce, defendeu que houvesse prioridade no julgamento de casos como os dos desastres socioambientais. “É um absurdo que depois de quatro anos do terrível crime que ocorreu em Brumadinho não houvesse definição da competência da Justiça para julgar o caso. Foi muito estimulado por pessoas que acreditam na impunidade. Por um dia não tivemos a prescrição de alguns crimes ambientais de Brumadinho”, afirmou.
Manifestação e reunião com juiz
Durante a tarde, os manifestantes se concentraram em frente à sede do Fórum Cível e Fazendário Tribunal de Justiça, na avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte. Lá estava marcada uma reunião com o Excelentíssimo Senhor Dr. Murilo Silvio de Abreu, juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, encarregado do processo civil que definirá os rumos das indenizações individuais das pessoas atingidas.
Às 15h, uma comissão subiu até o gabinete do juiz para debater os rumos do processo. Além de Shirley Machado, promotora de justiça do Estado de Minas Gerais, e de Carolina Morishita, da Defensoria Pública de Minas Gerais, participaram da reunião diversos representantes de comissões de pessoas atingidas, de Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) e do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB).
Liderjane Gomes, da comunidade indígena Kaxixó de Martinho Campos (Região 5), foi uma das pessoas atingidas a participar da reunião. Carla Wstane, coordenadora geral do Instituto Guaicuy, representou a ATI no encontro.
Enquanto a reunião acontecia dentro do Tribunal, quase duzentas pessoas se manifestavam do lado de fora da corte, cobrando justiça e reparação integral para toda a Bacia do Paraopeba, Represa de Três Marias e comunidades banhadas pelo São Francisco em São Gonçalo do Abaeté e Três Marias.
O microfone foi aberto para todas as pessoas atingidas que quisessem se manifestar sobre o desastre-crime em Brumadinho. Algumas pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, também se fizeram presentes.
Participação das pessoas atingidas das Regiões 4 e 5
Rosângela Maria, da Comissão de Pessoas Atingidas dos Assentamentos Queima Fogo e Chácara Chórius, em Pompéu (Região 4), reforçou a importância da união das pessoas atingidas na busca por direitos. “Hoje nós estamos de luto e na luta por conta das 272 vidas que foram ceifadas pela Vale. Vamos ter união, vamos lutar, vamos gritar, vamos pedir vamos apoiar essa nova equipe que está do nosso lado para nos ajudar. O nosso PTR, muita gente ainda não recebeu. Queremos a nossa reparação individual não para amanhã, mas para ontem. Que Deus fortaleça nossos ministros para cobrar dessas criminosas Vale e Samarco que fizeram toda essa tragédia”, afirmou.
“O sofrimento dos atingidos da área 4 e da área 5 é tão violento quanto o que a Vale faz todos os dias nas nossas vidas”, diz Eliana Marques, da Comissão de Pessoas Atingidas de Cachoeira do Choro, Curvelo (Região 4).
“Nossa comunidade foi atingida de uma forma muito forte, mesmo que a Vale diga que não. Com a notícia do rompimento, tive cancelamentos de reservas da minha pousada, os pescadores perderam a renda, os agentes de turismo também foram afetados, os agricultores nem se fala. Há um desgaste mental muito grande, eu fui uma vítima dessa. Vivemos o dilema de ter que pagar conta e não ter com o que pagar. Por isso o dia de hoje é de luta para a Região 5 ser reconhecida, estamos pedindo nossa dignidade de volta”, conta Tarcílio de Almeida, da comunidade atingida de Morada dos Peixes, em São Gonçalo do Abaeté (Região 5).
Os resultados da reunião com o juiz
Pouco mais de duas horas depois, a comissão que participou da reunião com o juiz Murilo Silvio de Abreu desceu novamente para a frente do Tribunal de Justiça. Lá, foi passado um breve relato aos manifestantes sobre o que havia sido debatido no encontro.
De acordo com os presentes, o juiz se demonstrou impactado com o que lhe foi passado na reunião e se comprometeu a realizar uma nova reunião com as pessoas atingidas no dia 28 de fevereiro. Foi apresentada novamente ao juiz a petição das Instituições de Justiça com a proposta para resolver a questão das indenizações individuais.
Se acatada, a proposta da IJs fará com que haja a contratação de uma perícia imparcial que determine quais os danos, quem deve ser indenizado, as formas e critérios de comprovação, além da valoração das indenizações. As ATIs atuariam junto às pessoas atingidas na formação de provas, na função de assistentes técnicos. Outro ponto importante seria a determinação da inversão do ônus da prova. Ou seja, que a empresa ré – a Vale -, seja responsável por provar que não atingiu as vítimas, e não o contrário.
Shirley Machado, promotora de justiça do Estado de Minas Gerais, reforçou sua posição de que as pessoas atingidas têm que estar no centro do processo de reparação. “Nenhuma solução pode vir de trás de uma mesa, de uma pessoa que não vive aquilo que vocês [pessoas atingidas] vivem. Seria injusto. O que o Dr. Murilo trouxe foi que ele está disposto a ouvir as pessoas atingidas para que esse processo seja concluído de uma forma que atenda a realidade que vocês vivem”, disse a representante do Ministério Público de Minas Gerais.
Já Carolina Morishita, da Defensoria Pública de Minas Gerais, ressaltou a importância da pressão das pessoas atingidas para que o processo caminhe. “Hoje é um dia muito marcante. Essa luta é também para que nenhuma outra família passe o que vocês passaram com esses rompimentos. Vocês sabem que a presença de vocês, aqui na porta do fórum, foi o que fez a gente andar nesse processo, não foi? Sempre de forma organizada, sempre teve pauta”, afirmou.
Segundo Morishita, no próximo encontro com o juiz, a intenção não é debater apenas a liquidação dos danos individuais, mas também outras pautas fundamentais, como o papel das ATIs e as medidas emergenciais que seguem sendo urgentes paras pessoas atingidas.
Avaliação
Carla Wstane, diretora de projetos do Instituto Guaicuy, avalia que o encontro com o juiz pode dar início a uma nova fase no processo . “Ele ficou claramente impactado e demonstrou se preocupar com a revitimização e com o sofrimento físico e emocional das pessoas atingidas. A promessa é de que, agora, haverá uma aproximação maior com as comunidades, vamos acompanhar”, ponderou.
Liderjane Gomes, do povo indígena Kaxixó do município de Martinho Campos (Região 5), afirma que saiu feliz da reunião no Tribunal de Justiça. “Hoje eu vim aqui com o sentimento de que estou indo pra luta, buscar algo, e esse algo eu encontrei lá dentro com o juiz. Eu acho que ele foi muito feliz por nos escutar, do jeito que nos recebeu. Ficou impactado com os nossos relatos. Foi uma prévia do que estamos passando nos nossos territórios. Ele já ficou estarrecido, imagina se ele for ao campo para ver o que estamos passando. Saí de dentro daquela sala com meu coração alegre e tendo esperança de que vai acontecer”, avaliou.