Pessoas atingidas pelo rompimento da Vale enviam carta-manifesto, com mais de 1 mil assinaturas, às Instituições de Justiça

Carta foi enviada pela Comissão de Atingidas/os da comunidade de Angueretá, em Curvelo (MG), representando todas as comunidades das regiões 4 e 5, assessoradas pelo Guaicuy

Nesta quinta-feira (22/12), pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale entregaram às Instituições de Justiça uma carta-manifesto reivindicando participação no Plano de Reparação Socioambiental da Bacia do Paraopeba (PRSABP).

A carta-manifesto “Qual Plano de Reparação Queremos?”, foi assinada por 1.140 pessoas, associações e comissões das comunidades atingidas das regiões 4 e 5, que recebem suporte das equipes de Assessoria Técnica Independente do Guaicuy, e foi enviada à Justiça pela Comissão de Atingidos/as da comunidade de Angueretá, em Curvelo (MG), representando todas as comunidades dessas regiões. 

O documento foi construído a partir das oficinas e dos cursos realizados pelo Guaicuy em 2022, tendo como base os relatos das pessoas atingidas pelo desastre-crime da mineradora em Brumadinho (que afetou 26 municípios) e a luta dessas comunidades em defesa de seus direitos enquanto atingidas pelo rompimento ocorrido em 2019. 

A partir de agora, o Guaicuy segue acompanhando a repercussão e os resultados da carta-manifesto entre as Instituições de Justiça, reforçando a luta por reparação junto às comunidades atingidas pela Vale.  

O que diz a carta? 

No documento, as comunidades relatam problemas como diminuição de peixes comuns nas regiões atingidas, contam sobre alterações no curso do rio, no aspecto e no cheiro da água, tão importante para a vida e manutenção dessas comunidades. Pedem que seja utilizada a mão de obra local nos trabalhos relativos ao PRSABP e cobram resultados dos exames realizados em animais mortos coletados na região. Confira as reivindicações da carta:

Tema 01 – Direito à Participação e à Informação no Plano de Reparação Socioambiental

1.1. Direito à participação integral e efetiva no PRSABP, desde a sua elaboração até a sua execução. Queremos que a empresa Arcadis e seus/ suas técnicos/as  se apresentem formalmente às comunidades atingidas, e que forneçam materiais explicativos sobre as atividades que desenvolvem nos  territórios;

1.2. Realização de reuniões periódicas entre a AECOM, empresas envolvidas e as pessoas atingidas, incluindo as lideranças comunitárias escolhidas, sobre o andamento da execução do PRSABP e sobre as atividades da Arcadis;

1.3. Elaboração, pela Arcadis, de relatório simplificado, resumido, em linguagem acessível às pessoas atingidas sobre o PRSABP e o andamento das ações de reparação previstas, tendo em vista o enorme tamanho e a linguagem excessivamente técnica do plano atual e de seus capítulos. Que esse documento seja disponibilizado não apenas online, mas que também seja impresso e disponibilizado em locais de grande circulação, como os comércios das comunidades ou órgãos públicos. Além disso, que o plano e suas ações sejam divulgadas nos meios de comunicação com abrangência estadual e municipal, como rádio, TV e na Internet). 

1.4 Inclusão de todos os laudos feitos pelas diversas instituições a pedido da Vale S/A desde 2019. Além disso, queremos que estes laudos sejam facilmente disponibilizados para as pessoas atingidas (não apenas de forma online, mas também impresso, e disponibilizados em outros locais como nos comércios e órgãos públicos). 

1.5 Queremos a continuação dos estudos realizados pela ATI ou contratação de empresas de nossa escolha para coletas ambientais e demais estudos em que se baseia o PRSABP, no intuito de contrapor os laudos das empresas contratadas pela Arcadis ou pela Vale S/A.

1.6. Queremos que seja estabelecido um canal permanente de comunicação de denúncias e de outras demandas urgentes relativas aos conflitos socioambientais gerados em decorrência das próprias obras de reparação. Essa medida dará celeridade em notificar as autoridades competentes  os eventuais conflitos que surjam ao longo da execução do PRSABP, e também aproximará os órgãos dos moradores para resoluções imediatas.

1.7  Solicitamos acesso imediato ao cronograma atual do PRSABP elaborado pela  empresa Arcadis, e que seja informada a data prevista para a conclusão do PRSABP. Exigimos celeridade e previsibilidade em todo o processo de reparação socioambiental. 

Tema 02 – Abrangência Geográfica do Plano de Reparação

2.1. Reivindicamos a inclusão de todas as comunidades consideradas atingidas descritas no acordo de 2021 no PRSABP, especialmente a região 5, contemplando as comunidades do entorno da represa de Três Marias e as comunidades ribeirinhas do São Francisco. Nosso argumento é que, onde nada foi investigado, nada aparece e nada podemos esperar que seja feito para a reparação integral do meio ambiente. 

2.2. Após a revisão dos estudos e com a inclusão solicitada no item 2.1, delimitar adequadamente e  explicar de maneira clara a delimitação das áreas impactadas para cada um dos impactos previstos na matriz de impactos do Plano de Reparação, com a justificativa de por que alguns municípios das regiões 4 e 5 estão sendo deixados de fora de alguns dos principais programas;

Tema 03 – As águas e margens do rio Paraopeba e da represa de Três Marias

3.1. Queremos maiores esclarecimentos sobre os projetos que serão realizados para a limpeza e revitalização do rio, das represas e de suas margens, inclusive para a remoção de rejeitos, sedimentos contaminados e outros resíduos. Solicitamos que seja elaborado um Plano de Gestão dos Resíduos Sólidos para evitar que os mesmos sejam lançados diretamente nos cursos d’água;

3.2. Também exigimos esclarecimentos sobre o motivo de cercamentos impedindo o acesso ao longo do rio Paraopeba e do riacho do Paraíso. Queremos saber ainda, até onde a água está imprópria para o consumo e por quanto tempo serão mantidas essas cercas.

3.3. Que as empresas, ou que o Estado de Minas Gerais, informe, regularmente, às comunidades atingidas sobre a qualidade das águas superficiais e subterrâneas e que forneça periodicamente boletins informativos em linguagem clara e acessível, durante toda a execução do PRSABP.

3.4. Queremos saber o que vai ser feito nas regiões 4 e 5 para reparar o assoreamento do rio pela lama, uma vez que percebemos que o rompimento e as chuvas alterou a  profundidade em diversos trechos do Paraopeba, bem como houve o desmoronamento de barrancos nas margens, que também contribuiu para o assoreamento da calha do rio.

3.5. Queremos que sejam promovidas campanhas de conscientização e de prevenção, para garantir a continuidade da revitalização das margens do Paraopeba a longo prazo, podendo envolver, dentre outras questões: a destinação de verbas para cursos de educação ambiental, o estabelecimento de lixeiras de reciclagem nas principais áreas de lazer e a afixação de placas de sinalização ao longo de todo o Paraopeba e da represa de Três Marias sobre questões como: a proibição de descarte de lixo, prevenção de incêndios florestais, áreas de preservação permanente etc.

Tema 04 – Peixes, plantas e outros animais e o surgimento de espécies exóticas

4.1. Realização de inventários de  espécies nativas da fauna e flora para subsidiar a efetiva proteção e recuperação da mata nativa que margeia os rios;

4.2. Elaboração de um programa específico para a recuperação da fauna e flora que desapareceu, escutando os relatos prévios das próprias comunidades sobre quais espécies devem ser privilegiadas para reposição, em especial de: dourado, pacamã, piranha, curimatã, matrinxã, surubim, piau verdadeiro, além de sarapó, cágados, tartarugas, moluscos fluviais nativos, araçás, erva-cidreira-do-mato, dentre outras; 

4.3. Queremos que seja feito um programa específico para o reflorestamento das árvores frondosas localizadas nas margens  do rio ou em ilhas fluviais, muitas das quais morreram após o rompimento;

4.4. Que seja feito um plantio específico de plantas e ervas medicinais (como chás), e de plantas importantes para as práticas religiosas tradicionais, após consulta prévia às comunidades;

4.5. Garantia de acesso a todos os resultados dos diversos exames realizados na fauna doméstica e selvagem, que até hoje não foram entregues às comunidades onde as  amostras foram coletadas;

4.6. Que sejam feitos  informes regulares (ao menos mensais) sobre a qualidade do peixe em todas as regiões;

4.7. Realização de estudo específico sobre o aumento de espécies exóticas (em especial caranguejo vermelho, caramujo africano dentre outros) e seus efeitos sobre a fauna nativa a fim de subsidiar ações de prevenção de introdução de espécies exóticas. 

Tema 05 – Socioeconomia: Turismo, Pesca e Saúde

5.1. Elaboração de Plano de Fomento ao Turismo Ecológico e de Base Comunitária para reconstruir e reformular o nosso turismo, conscientizar os nossos visitantes, inibir o turismo predatório na região. Que sejam direcionadas verbas de apoio e promoção do turismo ecológico comunitário às associações de turismo locais;

5.2 Garantia de apoio técnico para a busca de caminhos alternativos para o futuro das famílias dos pescadores artesanais e dos pequenos agricultores, tal como medidas para a reprodução em cativeiro e soltura de peixes e alevinos para a recuperação da população de peixes nativos, em parceria com colônias de pescadores e de trabalhadores rurais locais, a fim de gerar renda para os pescadores que perderam suas atividades com o rompimento;

5.3. A construção de espaços de ensino-aprendizagem de uso compartilhado para atividades de lazer ecológico na beira do rio e da represa, e também nas comunidades para uso da população local e também para atividades de turismo, em especial para as crianças;

5.4. Elaboração de um plano de saneamento básico, que inclua manejo do lixo nas comunidades, dos efluentes e  programa de coleta seletiva e reciclagem, principalmente nas margens do rio e da represa;

5.5. Elaboração de um plano de educação ambiental, que sensibilize os/as turistas para a conservação do rio, da represa e de todo meio ambiente; 

5.6. O plantio de árvores nativas frutíferas e de sombra nas margens do rio e da represa (e que suportem a água da época das cheias), a fim de servirem para atividades de lazer;

5.7. Elaboração de plano de ações para  fomento de esportes náuticos, como a vela e a canoagem, ou de quaisquer outros esportes praticados ao ar livre e na natureza;

5.8. Realização de estudos que avaliem os efeitos do rompimento na saúde da população atingida a longo prazo, e que sejam alocadas verbas nos serviços de saúde locais para: a) o fortalecimento dos serviços de saúde, com atendimentos em nossas comunidades; b) facilitar nosso acesso aos serviços das sedes dos municípios,  c) instruir os profissionais de saúde sobre os riscos e consequências do rompimento para a saúde humana, para que os diagnósticos e tratamentos sejam adequados e d) contratar profissionais especializados na prevenção e tratamento de doenças relacionadas com a contaminação pelos rejeitos.

Tema 06 – Apoio a propostas e projetos socioambientais comunitários já existentes no território

6.1. Queremos que todas as obras e projetos de reparação propostos pela Arcadis utilizem, sempre que possível, da mão-de-obra local, para gerar oportunidades de trabalho. É importante que os projetos prevejam capacitar e contratar jovens da região para que eles possam aprender e entender melhor os impactos socioambientais causados e gerar renda para combater a saída da juventude do nosso território. 

6.2. Queremos também, que as obras e projetos do PRSABP  sejam feitas em conjunto e apoiando os projetos ambientais que já existem em nossas comunidades. Existem várias iniciativas preciosas na nossa região, muitas vezes financiadas pela comunidade e organizadas coletivamente por voluntários, como os mutirões de limpeza do rio, reciclagem ou projetos de plantio de mudas nativas. 

6.3. Queremos que sejam fortalecidos projetos de agroecologia (produções locais, captação de recursos, escoamento de produção, assistência técnica rural etc.).

6.4. Queremos o incentivo e instalação de tecnologias de captação e coleta de água da chuva e/ou reaproveitamento de água para diferentes usos, assim como projeto de energia solar para nossas comunidades sem custo para as pessoas atingidas por no mínimo 20 anos. 

6.5. É importante que seja estabelecido um mecanismo de consulta às comunidades atingidas para que possamos nos manifestar sobre quais projetos ambientais já existem no território e que poderiam ser fortalecidos para fins da reparação ambiental da bacia. Como exemplo, apresentamos em anexo uma lista de algumas iniciativas que desejamos que sejam incluídas em futuras parcerias para a recuperação ambiental.

Leia a carta completa

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