Análises ambientais feitas pelo Guaicuy em territórios atingidos pela Vale divergem de resultados apresentados pela mineradora

Estudos realizados pelo Guaicuy entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2022 revelam elementos químicos acima dos limites permitidos pela legislação

A desconfiança sobre a qualidade da água do Rio Paraopeba após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho é um medo presente na vida de muita gente que foi atingida pelo desastre-crime em 25 de janeiro de 2019. 

Quem antes usava o rio para atividades domésticas, pesca ou lazer, agora convive com a falta de respostas conclusivas sobre a forma como ele foi afetado pela lama. “No último mês, a Vale esteve aqui, se reunindo com representantes de associações de moradores de várias comunidades nossas. Eles nos apresentaram resultados das análises feitas pela empresa, afirmando pra gente que os rejeitos pararam na usina de Igarapé, dizendo que o que chegou aqui na nossa região (Curvelo e Pompéu), é insignificante, que é somente uma água suja”, conta uma moradora presente nesta reunião. 
Os resultados trazem uma interpretação dos dados coletados pela mineradora, e divergem das análises ambientais realizadas pelo Instituto Guaicuy de dezembro de 2020 a fevereiro de 2022, que apresentaram  concentrações de elementos químicos acima dos limites permitidos pela legislação.

As análises aconteceram como parte do trabalho de Assessoria Técnica Independente que o Instituto realizou em dez municípios atingidos pelo rompimento da barragem da Vale, que ocorreu em janeiro de 2019. São elas: Curvelo e Pompéu (região 4); Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias (região 5). De acordo com Bernardo Beirão, da equipe de Pesquisas Ambientais do Instituto, foram realizadas coletas e análises de água, solo e sedimentos em diversos pontos e em diferentes épocas do ano, para respeitar a dinâmica do rio, que naturalmente se altera de acordo com as estações.

Confira dez pontos das análises ambientais feitas pelo Guaicuy em Curvelo e Pompéu (área 4) e na região do Lago de Três Marias (área 5): 

As alterações encontradas nos sedimentos dizem respeito  aos seguintes elementos: cromo, níquel, cobre, chumbo, arsênio, cádmio e zinco. Além desses, previstos na legislação, os parâmetros ferro, alumínio e manganês, os metais mais presentes nos rejeitos da barragem da Vale que rompeu, foram identificados em concentrações elevadas em todos os ambientes estudados. Para estes elementos, não há limites pré estabelecidos na legislação de sedimentos.

– Foram verificadas alterações nos parâmetros físicos de qualidade da água do rio e das represas. Tais alterações mostram um maior grau de comprometimento dos ambientes até a R4, apesar de também serem observadas ao longo do reservatório de Três Marias.

– Foi verificada uma piora da qualidade das águas nas margens durante as coletas realizadas no período das chuvas comparativamente ao período da seca, nas regiões 4 e 5.

– Os contaminantes seguem nas margens no período seco, mas com a menor vazão dos rios durante essa época do ano, a tendência é eles se depositarem no fundo. Com o aumento da vazão do rio no período chuvoso, o sedimento é revolvido e os elementos voltam a se misturar na água. Além disso, os rejeitos presentes à montante seguem descendo com o fluxo do rio. Em períodos chuvosos mais severos, as análises ambientais das áreas 4 e 5 observaram que esse evento se potencializa.

-Os índices de qualidade dos sedimentos coletados pela equipe ambiental mostraram, sobretudo nos ambientes de Curvelo e Pompéu, que além do antecedente geoquímico, existem alterações oriundas de ações resultantes de atividades humanas na bacia. Estes elementos podem estar presentes naturalmente a depender da composição geológica da região, mas as  altas concentrações, podem indicar influência de ações humanas. Fontes difusas de contaminantes relacionados à ocupação urbana, efluentes industriais, uso agrícola intensivo na região e os rejeitos da barragem da Vale S/A podem estar interagindo, respondendo por uma boa parte destas contribuições e gerando um acúmulo destes metais nos sedimentos. A presença dos rejeitos da Vale, em áreas já impactadas, podem ter um efeito cumulativo e potencializar os impactos já presentes no ambiente.


– Foram realizados testes de ecotoxicidade, com o objetivo de  conhecer os efeitos que elementos químicos lançados na água podem ter sobre a vida aquática. Os resultados mostraram que a exposição aos metais e outras substâncias presentes nos sedimentos pode gerar efeitos colaterais no desenvolvimento da vida aquática de forma rápida (ecotoxicidade aguda) ou a  longo prazo (ecotoxicidade crônica).

– Para os sedimentos, as alterações ultrapassam o barramento de Retiro Baixo, ou seja, há alterações na região do Lago de Tres Marias, onde estão os  municípios de Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias. A distribuição dos metais ferro, alumínio e manganês, encontrados acima do limite permitido, foi abundante desde o rio Paraopeba, entre Curvelo e Pompéu, até o reservatório de Três Marias.

– Embora os elementos arsênio, bário, cádmio, chumbo, cobre, cromo e níquel tenham se mostrado mais abundantes na região 4 do que na região 5, é importante ressaltar que na região 5 estes metais  também ultrapassaram os limites previstos na legislação de acordo com a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente, em algumas situações.

Resposta às comunidades e contraponto à Vale 

Menos de um mês após o rompimento, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) publicou a recomendação da suspensão do uso da água do Rio Paraopeba no trecho que vai de Brumadinho até a barragem de Retiro Baixo. A recomendação é válida até hoje, com diversas placas do órgão ao longo da bacia relembrando a proibição. Desde então, as comunidades atingidas esperam por informações, dados e posicionamentos oficiais que garantam a segurança em relação a um possível retorno do uso do rio.

“Devolvemos os resultados para as comunidades desde que começamos com as análises, na medida que fomos tendo acesso a elas, com o objetivo de colaborar para a participação informada dessas pessoas no processo de reparação que elas seguem vivenciando. A insegurança em relação ao uso da água do rio e da represa, além do consumo dos peixes, é fruto da convivência com as consequências do que a Vale causou no território, e é um dos principais questionamentos que recebemos: o rio está contaminado? Nosso peixe está envenenado?”, explica Beirão.  

O coordenador explica que  os resultados disponibilizados pelo Guaicuy são parte de um processo de estudos que deve seguir sendo feito tanto pela própria mineradora, de forma transparente e detalhada, quanto pelos órgãos públicos.
Segundo Beirão, o Igam já fazia um monitoramento, em alguns pontos da bacia, antes do rompimento da barragem, o que possibilitou que houvesse dados de comparação. “Esses estudos apontavam concentrações de metais pesados acima do limite por outras ações humanas, mas nos chama a atenção a forma como o aumento e a recorrência dessas alterações aconteceu após o rompimento da barragem de minério”. Por determinação judicial, a Vale também realiza análises após o desastre-crime que cometeu, mas os resultados ainda não são disponibilizados oficialmente à sociedade civil, nem às Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), de forma detalhada. A empresa também disponibilizou alguns dados sobre essas supostas análises em seu site e em cartilhas entregues às pessoas atingidas, mas os resultados divergem dos obtidos pelo Guaicuy.

Sobre o Instituto Guaicuy

Criado no ano 2000 por pesquisadores, professores e ativistas sociais que atuavam no projeto Manuelzão (UFMG), o Instituto Guaicuy é uma entidade não governamental associativa, cultural e técnico-científica sem fins lucrativos. Seu trabalho é desenvolver ações socioambientais, culturais e educativas voltadas para a preservação e recuperação ambiental, para a promoção da saúde e da cidadania. 

Atualmente, o Guaicuy acompanha o processo de levantamento de danos e reparação da região 4 (Curvelo e Pompéu, na Bacia do Paraopeba) e da região 5 (região da represa de Três Marias: Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté, Três Marias), afetadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. O objetivo principal das Assessorias Técnicas Independentes é garantir o acesso à informação e auxiliar as pessoas atingidas a participar de maneira adequada no processo de reparação dos danos que sofreram, para que possam buscar seus direitos. 

O instituto também presta Assessoria Técnica para a comunidade de Antônio Pereira (distrito de Ouro Preto), que convive nos últimos anos com o risco de rompimento da barragem de Doutor, também pertencente à Vale. 

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