ONGs denunciam que conselhos de política ambiental e de recursos hídricos tornaram-se apenas palco de “legitimação” de decisões autocráticas do Executivo
A 196ª Reunião Extraordinária do Plenário do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), realizada na tarde desta quinta-feira, 17, foi marcada pela renúncia coletiva de organizações ambientais a seus postos no órgão e suas instâncias. A decisão comunicada aos presentes foi tomada em repúdio ao que consideram uma exclusão deliberada da sociedade civil na gestão dos recursos naturais em Minas Gerais por parte do governo estadual.
Amanhã, 18, às 14h, a renúncia será lida na 12ª Reunião Ordinária da Câmara Normativa Recursal (CNR) do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH). Sete organizações com representação no Copam e no CERH, entre elas o Instituto Guaicuy, pactuaram a decisão, apontando que o Plenário e outras câmaras dos órgãos estão cada vez mais servindo como um “verniz” de decisões unilaterais do governo estadual.
A manifestação, que também denuncia o avanço do desmatamento de Mata Atlântica no estado e uma série de outros pontos, também é endereçada à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).
Leia o comunicado na íntegra:
Em protesto, organizações ambientalistas renunciam coletivamente a postos de conselhos estaduais
Considerando que:
– O Copam e CERH deixaram há bastante tempo de ser fóruns de discussão e proposição de políticas ambientais e de recursos hídricos para o Estado, tornando-se cada vez mais apenas palco de “legitimação” de decisões autocráticas por parte do Executivo.
– Tem se tornado cada vez mais clara e crescente, a política do Governo de exclusão deliberada da sociedade civil e violação de seu direito constitucional de participação na gestão do uso dos recursos naturais. O governo, de forma unilateral, sem discussão com a sociedade, revoga, modifica e cria normas ambientais à revelia da sociedade e até do Copam.
– Importantes avanços para proteção da biodiversidade conquistados no âmbito do Copam/CERH, como, por exemplo, implementação da cobrança da compensação ambiental prevista na lei federal do Snuc, foram desmantelados nos últimos anos;
– Não houve avanço significativo na implementação de ferramentas que possam avaliar impactos cumulativos e sinérgicos de empreendimentos de forma geral, como expansão urbana, mineração, hidrelétricas e agropecuária.
– A legislação continua sendo interpretada de forma a fragmentar o licenciamento ambiental, e frequentemente são pautados processos favoráveis à concessão de licenças a projetos que preveem grandes desmatamentos, entre outros impactos, instruídos com estudos insuficientes, ignorando, muitas vezes, pesquisas da comunidade científica e publicações importantes, presença de comunidades tradicionais, denúncias das comunidades e até dados técnicos publicados pelo próprio
governo;
– Até hoje não foi regulamentada e implementada a cobrança de caução para o licenciamento de barragens de rejeitos, conforme preconiza a Lei Estadual nº 23.291/19, e foram concedidas licenças com essa exigência como condicionante, que é vedado expressamente no dispositivo legal.
– Outorgas de concessão de uso da água a empreendimentos de grande porte e potencial poluidor são concedidas desconsiderando a crise climática e princípios de precaução e prevenção.
– Por seis anos consecutivos Minas Gerais é campeão de desmatamento do bioma Mata Atlântica e foi um dos Estados que mais desmatou Cerrado nos últimos anos. E o governo não demonstra interesse em discutir e implantar políticas públicas que sejam capazes de reverter esse quadro através de Política de Estado, prevendo “desmatamento zero” envolvendo outras secretarias. Ao mesmo tempo assume internacionalmente metas de redução de emissão de carbono e desmatamento sem consequências práticas.
– Mesmo tendo propostas técnicas sobre criação de corredores ecológicos no Estado, o governo não os implanta, o que aponta favorecimento ao setor produtivo.
– O atual governo praticamente não criou novas unidades de conservação de proteção integral, estando o Estado muito abaixo do recomendado em termos de percentual de território pela Convenção para a Diversidade Biológica.
– Não temos política de proteção da biodiversidade, água e clima através da proteção legal de ambientes naturais de suma importância que restam no Estado, muitos deles provavelmente situados em terras devolutas que deveriam ser apropriadas pelo poder público. A gestão das unidades de conservação existentes parece caminhar com celeridade para uma visão mercadológica. Nem mesmo suas zonas de amortecimento são protegidas contra atividades econômicas ilegais como expansão urbana, e a discriminação fundiária das mesmas não avançou.
– Após 10 anos de promulgação do Código Florestal, os benefícios esperados com o Cadastro Ambiental Rural e o Programa de Regularização Ambiental (CAR/PRA) em Minas inexistem;
– Apesar de promessas, tanto do ex-secretário Germano Vieira e quanto da atual, Marília Melo, de revogação do parágrafo 8º do art. 21 do Decreto Estadual nº 46.953/2016 que proibiu as ONGs eleitas para as Câmaras Técnicas e Plenário do Copam, de nomear, o mesmo conselheiro que as representava no mandato anterior, isto não foi feito. A proibição recai somente sobre as ONGs, pois na representação do setor empresarial e do governo não há restrição.
– No CERH e suas Câmaras técnicas, conforme o novo Regimento Interno (parágrafo único do art. 11), o governo de Minas Gerais a partir de lista tríplice enviada pelas entidades da sociedade civil eleitas, é quem definirá os indicados para a titularidade e suplências, impedido aos representantes da sociedade civil o exercício de seu direito constitucional de independência. O artigo citado ainda fere o princípio da isonomia, pois usuários de recursos hídricos, como a Cemig, Copasa, Faemg, Fiemg, Ibram e a Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel) não foram submetidos à mesma regra.
– O governo, autocraticamente, extinguiu o Cadastro Estadual de Entidades Ambientalistas criado em 2006, proibindo a livre escolha das ONGs de seus representantes no Copam e CERH. A extinção foi “comunicada” às mesmas e a Semad recusou-se a discutir o assunto. Ambos os atos foram autoritários sem qualquer discussão prévia com a sociedade civil.
As entidades signatárias deste documento comunicam formalmente decisão de renúncia coletiva do plenário do Copam, CERH e suas Câmaras Técnicas, manifestam preocupação com as implicações para Minas Gerais das situações acima relacionadas e declaram total convicção da premente e urgente necessidade de um governo realmente democrático que respeite os direitos da sociedade civil, discuta e implemente políticas que possam compatibilizar atividades econômicas necessárias ao bem estar humano com a proteção dos bens materiais e imateriais da sociedade e do meio ambiente, respeitando a fauna, flora, rios e paisagens.
Estaremos prontos para voltar e dialogar através dos Conselhos, com o poder público e a iniciativa privada, quando o Governo exercer de fato o princípio acima enunciado, respeitando princípios constitucionais de isonomia, cidadania, moralidade, pluralismo político e impessoalidade, e sobretudo a capacidade de dialogar e compreender que a sociedade é mais diversa do que setores corporativistas.
Belo Horizonte, 17 de novembro de 2022
Assinam:
– Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda
– Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro
– Associação Pró Pouso Alegre – Appa
– Espeleogrupo Pains – EPA
– Fundação Relictos de Apoio ao Parque do Rio Doce
– Instituto Guaicuy – SOS Rio das Velhas
– Movimento Verde de Paracatu – Mover