O Instituto Guaicuy realizou mais uma atividade da Pesquisa de Agravamento de Danos das Especificidades (Pades), que tem como objetivo compreender como mulheres, crianças e jovens, população negra, população idosa e pescadoras e pescadores das regiões 4 e 5 foram atingidos de formas diferentes.
“As pessoas veem as coisas e enfrentam desafios diferentes em relação ao rompimento da barragem. As dificuldades dos pescadores não são as mesmas dos agricultores, a percepção das mulheres não é a mesma dos homens”, explica Clarissa Godinho, da equipe de Ciências Sociais do Guaicuy.
Para esse estudo, a metodologia usada é a de grupos focais. A técnica é qualitativa e busca considerar a visão compartilhada de diferentes pessoas em contextos sociais distintos sobre os impactos do rompimento da barragem da Vale, “é uma maneira de ter uma compreensão melhor de tudo que as pessoas atingidas enfrentam no dia a dia do pós rompimento”, complementa Clarissa.
Agravamento de danos às mulheres
No dia 08 de novembro, a equipe do Instituto Guaicuy promoveu um grupo focal com mulheres em Cachoeira do Choro, comunidade de Curvelo. Com 11 participantes, o momento foi de reflexão sobre o agravamento de danos a esse grupo e de dialogar sobre as alterações nos modos de vida após o rompimento da barragem.
“As pessoas não tem noção da riqueza que saía desse rio. A gente tinha uma vida bem equilibrada, em casa tinha muita fartura”, relembra Eliana. Hoje as coisas são diferentes: as presentes relataram dificuldade de acesso á água limpa, insegurança alimentar e perda de renda.
Os prejuízos causados pelo desastre-crime tem um agravamento para as mulheres que, historicamente, lidam com a sobrecarga doméstica e com a responsabilidade do cuidado.
Pelos relatos obtidos no grupo focal, nota-se que esse trabalho diário é invisibilizado e, por consequência, pouco valorizado. As cabeças das mulheres não param de trabalhar: planejamento, organização e toda a tomada de decisão nas casas é responsabilidade delas.
A partir da conversa algumas consequências foram identificadas:
- aumento do trabalho doméstico;
- aumento no consumo de álcool;
- aumento no consumo de antidepressivos;
- aumento da violência doméstica;
- conflitos familiares;
- perda do contato social;
- transtorno mental.
O resultado é uma carga de exaustão. “A sobrecarga é da mulher, é ela que se preocupa com a casa e com a família. Depois do rompimento eu tenho que me preocupar até com a água que vou usar para fazer comida”, desabafa Elizete.
Além disso, as mulheres relatam que são diminuídas nos espaços em que lutam pela garantia dos seus direitos. Eliana é uma das pessoas atuantes no processo de reparação e diz que diversas vezes foi taxada de louca e dramática. “Já ouvi que eu nunca fui liderança, que a liderança daqui é um homem, foi um funcionário da Vale que disse isso”, recorda.
Para Lilian Rodarte, da equipe de Mobilização Social do Instituto Guaicuy, é importante criar esses lugares de escuta. A profissional reforça que “quando a gente promove esse espaço de acolhimento, mesmo que seja para falar dos danos que aconteceram na vida dessas mulheres, estamos proporcionando um espaço de saúde, um espaço reflexivo”.
Josenilda se emociona: “tem dia que você está mais frágil, às vezes é uma palavra ou um abraço que fortalece”. Essas pescadoras, mães, esposas, amigas, guerreiras e mulheres têm encontrado apoio umas nas outras.
“Ouvir a outra mulher é também refletir sobre si mesma e sobre o grupo, e isso só fortalece, além de promover a união e entender que elas não estão sozinhas nessa luta”, pontua Lilian.
A partir dessas reuniões, o Instituto Guaicuy analisará os dados para entender o agravamento de danos e para trabalhar de uma forma mais direcionada. “A partir dessas conversas vamos pensar como conseguimos colocar esses grupos em evidência no processo, já que, mesmo diante da nossa sociedade, esses grupos, suas necessidades e seus direitos, ficam à margem da discussão e do debate”, conclui Clarissa.