Conheça exemplos de Matrizes de Danos em Minas Gerais

A Matriz de Danos é um potente instrumento das pessoas atingidas por grandes empreendimentos do setor de mineração para lutar por uma indenização individual mais justa. Ela é, basicamente, uma tabela que contém os danos sofridos pelas pessoas, junto a seus respectivos valores em dinheiro – quase uma “calculadora de danos” que ajuda a responder quanto as pessoas prejudicadas pelo desastre vão receber individualmente.

Na bacia do Paraopeba, região da represa de Três Marias e comunidades de São Gonçalo do Abaeté e Três Marias que são banhadas pelo Rio São Francisco, as pessoas atingidas pelo desastre-crime da Vale estão construindo uma Matriz de Danos e Reconhecimento em conjunto com as Assessorias Técnicas Independentes (Guaicuy, Aedas e NACAB). Em meio a essa construção, em agosto de 2022 as Instituições de Justiça pediram ao juiz do processo que os danos fossem liquidados, ou seja, que houvesse a definição de quais danos devem ser indenizados e seus respectivos valores, bem como quem deve ser indenizado.Assim, a Matriz de Danos e Reconhecimento das pessoas atingidas deve passar a provocar e fornecer caminhos para a liquidação que ocorrerá dentro do processo, assim que o juiz der sua decisão sobre o pedido das IJs

Imagem de João Carvalho/Guaicuy

Essa experiência, no entanto, não é inédita. Existem outras Matrizes de Danos, que serviram para auxiliar as pessoas atingidas na busca por indenizações mais justas.

Matriz de Danos de Barra Longa (rompimento da barragem em Mariana)

✅ Construída pela ATI AEDAS junto às pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem da Samarco, Vale e BHP Billiton, depois que essas comunidades identificaram que a Matriz utilizada pela Fundação Renova (organização custeada pelas mineradoras que causaram o rompimento) produzia valores indenizatórios muito baixos e injustos.

❌ Infelizmente, ainda não foi homologada no processo judicial. 

✅ É utilizada pelas pessoas atingidas de Barra Longa para buscar indenizações mais justas que reparem os prejuízos que sofreram com o rompimento em Mariana.

Matriz de Danos de Mariana

✅ Construída pela Cáritas junto às pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem da Samarco, Vale e BHP Billiton.

❌ Infelizmente, ainda não foi homologada no processo judicial. 

✅ É utilizada pelas pessoas atingidas de Mariana para buscar indenizações mais justas.

Matriz de Danos de Itatiaiuçu

✅ Construída pela ATI AEDAS junto às pessoas atingidas pelo acionamento do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM) da ArcelorMittal.

✅ Não envolve processo judicial, mas a Matriz de Danos foi homologada em acordo extrajudicial com as empresas e o Ministério Público Federal e o Ministério Público de Minas Gerais.

✅ Até o mês de julho, 100 acordos de indenização individual já haviam sido assinados usando os valores da Matriz, o que representa uma vitória para as pessoas atingidas

✅ Ela previa um adicional para idosos, no entanto ficou restrita a moradores das Zonas de Autossalvamento (ZAS). 

Segundo a AEDAS, ainda há muitos núcleos familiares esperando pela negociação de suas indenizações individuais, mas a mobilização das pessoas atingidas, em conjunto com a ATI, possibilitou que diversas famílias conquistassem uma indenização justa. 

Ricardo, morador que foi atingido e teve que sair de sua casa porque estava na Zona de Autossalvamento (ZAS), contou que a atuação da Assessoria Técnica foi fundamental para que pudesse compreender o processo e lutar por uma reparação justa. “Eu fiquei satisfeito com o processo, minha advogada Mari foi espetacular, mas confesso que fiquei inseguro e ansioso, não conseguia acreditar que íamos receber o dinheiro e no final foi uma surpresa boa”, enfatizou.

Renata, que também foi atingida e teve que sair de sua casa, relatou que hoje tem uma mistura de sentimentos. “Estou feliz e ansiosa ao mesmo tempo. Foram três anos esperando este dia chegar e estou ansiosa para poder ter minha casa, meu lugar, como sempre sonhei”, explicou.

Matrizes de Danos que não tiveram participação de pessoas atingidas

É o caso da Matriz de Danos do Rio Doce, feita pela Fundação Renova (organização custeada pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton que causaram o rompimento em Mariana). 

Apesar de não homologada pela Justiça, seus valores estão sendo usados como referência na negociação de indenizações – o que é injusto, pois são as pessoas que sabem o valor de cada perda que tiveram após o desastre-crime. 

Exemplo: a matriz de danos feita pela Fundação Renova considera que um pé (muda) de limão vale R$ 5, e um pé (muda) de banana, R$ 2,50.

Para receber as indenizações individuais, o juiz determinou a necessidade de advogados particulares (que geralmente cobram 30% do valor das indenizações).

Além disso, essa matriz prevê apenas os danos materiais, desconsiderando os danos imateriais e exclui os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), pois, apesar de ter um programa voltado para povos indígenas, não previa indenização para eles.

Rompimento de Brumadinho

No caso do rompimento da barragem da Vale (que ocorreu em Brumadinho, em 2019, e atingiu a bacia do Rio Paraopeba, a represa de Três Marias e comunidades de São Gonçalo do Abaeté e Três Marias, que são banhadas pelo São Francisco), as pessoas atingidas, junto de suas Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), estão construindo uma Matriz de Danos e Reconhecimento. 

Este trabalho de listar os danos é desafiador, tendo em vista que é realizado com moradoras e moradores de 26 municípios atingidos, organizados em 5 regiões, com o suporte de três Assessorias Técnicas Independentes (Aedas – regiões 1 e 2; NACAB – região 3; e Guaicuy – regiões 4 e 5), e, além disso, considerando as diferentes realidades e características de cada uma das regiões prejudicadas. (Exemplo: em cada região pode haver diferentes formas de comprovação individual ou coletiva para os prejuízos sofridos após o desastre-crime e há um esforço por unificar as orientações para as pessoas prejudicadas e também a necessidade de padronização dos termos e metodologias de cálculo dos danos, dentre outros desafios). 

Por isso, a escuta das comunidades, realizada pelas ATIs tem sido tão importante e essencial para o processo de reparação, na busca por garantir os direitos das vítimas do desastre-crime. 

E a Matriz de Danos e Reconhecimento que está em construção deve considerar também a vulnerabilidade de mulheres, crianças, idosos, pessoas negras, Povos e Comunidades Tradicionais e de Religião de Matriz Africana, dentre outros.

Reorganização do processo

Recentemente, o juiz Elton Pupo Nogueira reorganizou o processo e as Instituições de Justiça apresentaram sua proposta para resolver os danos individuais. Se aprovada, as ATIs atuarão no levantamento de provas. 

“Se acatado o pedido das Instituições de Justiça, a Matriz de Danos e Reconhecimento poderá ser avaliada pelo perito como a versão das pessoas atingidas sobre os danos que elas sofreram, ainda que ela não seja a única versão a ser considerada pela nova perícia. Por isso, os trabalhos da ATI, de construção e formação sobre danos individuais (por meio da Matriz de Danos e Reconhecimento) devem continuar, para fazer frente aos argumentos da Vale S/A, que também se manifestará sobre a perícia”, afirma Julia Nascimento, gerente de reparação do Instituto Guaicuy. 

Com informações de AEDAS e Cáritas.

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