Comitê de Compromitentes responde cartas elaboradas pelas pessoas atingidas em ofício

As cartas elaboradas pelas pessoas atingidas foram feitas a partir do encontro de formação de Direitos das Pessoas Atingidas, que aconteceu em novembro de 2021  nos municípios de Pompéu, Abaeté, Felixlândia, Morada Nova de Minas e Três Marias. 

As comunidades redigiram cartas de reivindicações, de acordo com cada região, para cobrar maior transparência, inclusão,  autonomia e a destinação correta dos recursos dentro do processo de reparação para os projetos que envolvem a participação popular.  

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Foto: João Carvalho / Instituto Guaicuy

O Comitê de Compromitentes enviou resposta ao Instituto Guaicuy que havia ficado responsável por encaminhar as cartas. Clique aqui e veja o ofício na íntegra

Dentre os diversos temas respondidos no ofício, o documento pontuou sobre a participação das pessoas atingidas diante do Anexo 1.1, critérios de participação e andamento do Programa de Transferência de Renda (PTR), a fiscalização e as formas de participação na consulta de priorização do Anexo 1.3. Além disso, também foram citadas as demandas de saúde agravadas após o rompimento da barragem da Vale, medidas emergenciais e as análises de água e dos peixes nas áreas atingidas. 

Guaicuy analisa e pondera sobre trechos importantes da resposta às cartas

Enquanto Assessoria Técnica Independente das pessoas atingidas, o Guaicuy, diante das respostas encaminhadas pelo Comitê de Compromitentes, fez o estudo detalhado dos apontamentos do ofício de resposta e separou por temas: Medidas Emergenciais, Saúde e Direito das Pessoas Atingidas. 

Confira os comentários das nossas equipes sobre os temas tratados pelo Comitê!

Medidas Emergenciais 

Em sua resposta, o Comitê apoia-se em um critério administrativo e localizado, estabelecido na  Nota de  de Esclarecimento 9 – Desastre Barragem B1 (SEMAD, 2019*). Essa Nota  recomenda de modo preliminar e não fundamentado a suspensão do uso da água do rio e o resguardo de distância de 100 m e não se apoia em estudos técnicos, embora venha sendo utilizada como tal. Importante dizer que o chamado “critério do buffer de 100 metros” não tem qualidade de norma jurídica, ou seja, não tem “força de lei”, motivo pelo qual a Vale o utiliza para se beneficiar e se desviar da obrigação de fornecer água para as pessoas e comunidades atingidas, assim como do fornecimento de alimentação animal.

Dentro do que estamos acompanhando sobre as Situações Emergenciais, a própria Secretaria de Estado de Saúde e outros atores como as IJs, AECOM e IGAM admitem a arbitrariedade e inadequação da faixa dos 100 m como critério para elegibilidade ao acesso às medidas emergenciais, apoiados em estudos técnicos e notas técnicas já  publicados que indicam a  necessidade de se estabelecer um novo critério. 

Desse modo, nós do Instituto Guaicuy e outras ATIS estamos trabalhando na defesa pela construção de um critério mais abrangente que considere: os diferentes contextos ambientais superficiais e subterrâneos da bacia do rio Paraopeba, a atualização da modelagem da mancha de inundação, referente às chuvas de janeiro/2022, as quais impactaram fortemente vários territórios da bacia para muito além dos 100 metros da calha do rio.  

Mediante tais considerações e a partir da análises de estudos propostos até então, as ATIs defendem que seja utilizada como critério inicial (porém não definitivo) a distância de 2500 metros calculada a partir da margem plena do rio Paraopeba, ou seja, a partir da maior área inundada pelo rio quando ocorrem as cheias. 

Outra defesa importante é a construção de critérios e diretrizes claras referentes ao fornecimento de alimentação animal e água que até hoje não foram divulgados pela Vale. Sendo constatado pelo Guaicuy inconsistências e irregularidades na quantidade e qualidade de fornecimento de alimentação animal, desigualdade na elegibilidade das famílias solicitantes e não esclarecimento técnico das negativas de fornecimento para famílias solicitantes.

* SEMAD, 2019. Disponível em: http://www.meioambiente.mg.gov.br/noticias/1/3752-nota-de-esclarecimento-9-desastre-barragem-b1

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Foto: João Carvalho / Instituto Guaicuy

Saúde

No tema da saúde, as ações indicadas na resposta das autoridades estão voltadas mais para Núcleos de Bem-Estar e projetos de saúde mental, enquanto que nas questões levantadas nas cartas elaboradas pelos atingidos foram destacados também adoecimentos de ordem física/biológica, como dermatites que surgem após contato com água do rio, possivelmente contaminada por metais. Situações que perpassam desde a falta do atendimento médico para diagnóstico e tratamento adequados até a falta da capacitação dos profissionais que atendem a estas demandas de saúde. 

Para isso, o fortalecimento de políticas de vigilância em saúde, insumos e assistência farmacêutica (motivo de aumento de gastos com saúde), capacitação dos profissionais da atenção básica se fazem prioritárias e necessárias. Todavia não foi possível identificar investimentos para projetos imediatos de políticas que contemplem essas necessidades ao analisar as temáticas contempladas para o Pacote de Resposta Rápida do Anexo 1.3, por exemplo.

Os profissionais  e gestores públicos de saúde relataram (nas articulações de rede e na pesquisa saúde) que não houve suporte técnico e financeiro para ampliação e especialização da oferta do serviço, bem como não foram realizadas ações específicas na saúde para as pessoas atingidas. Ademais, profissionais da vigilância em saúde informaram que fazem as coletas para análises de água conforme solicitado desde o rompimento, sem cobertura dos gastos para o procedimento e sem acesso aos resultados das análises das amostras de água que coletam.

Direitos das Pessoas Atingidas

A participação efetiva das pessoas atingidas continua a ser um dos principais desafios no processo de reparação da Bacia do Rio Paraopeba. As pessoas constantemente denunciam que não foram ouvidas na elaboração do Acordo e que, durante a sua execução também não são disponibilizados mecanismos de participação efetiva. Os instrumentos até o momento utilizados foram meramente consultivos e através de ferramentas que dificultam o acesso da população atingida às consultas promovidas.

A respeito da Consulta Popular para eleição de temas e subtemas prioritários na destinação de recursos do Anexo 1.3, apesar dos esforços das Assessorias Técnicas Independentes para viabilização do processo e apresentação das propostas de projetos pelas comunidades atingidas, além do amplo apoio no processo de priorização, os entraves são evidentes. 

O uso de plataformas digitais (e as diversas etapas do processo de consulta pública, de prazos curtos, mas espaçadas entre si) representa um obstáculo a certos grupos sociais, considerando que uma parcela expressiva das pessoas atingidas vivem em contexto rural, afastados dos centros, geralmente de idade mais avançada e sem acesso ou familiaridade com os meios digitais. Muitos inclusive não possuíam documentação regular, a partir de um recorte que foi feito sem prazo hábil para que os atingidos pudessem se regularizar e atender aos critérios formais impostos e foram, portanto, excluídos do processo de votação em sua fase inicial. 

Além disso,  o volume de informação sobre a qual as pessoas atingidas deveriam deliberar para realizar um voto consciente era densa. No lugar de uma consulta qualificada, com acesso ao conteúdo em tempo hábil e capaz de permitir a destinação efetivamente prioritária de valores, a consulta popular privilegiou a celeridade.

É verdade que os pagamentos do Programa de Transferência de Renda (PTR) foram iniciados em novembro de 2021, todavia isso somente para aquelas pessoas atingidas que já estavam recebendo o Pagamento Emergencial anteriormente gerido pela Vale S.A. O que não é a realidade da maior parte dos atingidos das Regiões 4 e 5. Em fevereiro de 2022, foi iniciado o recadastramento das contas das pessoas atingidas que tiveram o pagamento emergencial bloqueado, o que também ainda não contempla a Área 5.

É importante pontuar que o PTR para a região 5 é resultado de muita luta e representa uma conquista das pessoas atingidas da região. Porém o não início de cadastramento da região afeta diretamente essas pessoas que vivem sob os auspícios do sombreamento do processo judicial e não receberam quaisquer medidas emergenciais e até o presente momento não foram contempladas no PTR. 

Destaca-se ainda a não publicização do calendário sobre os novos cadastros para as pessoas atingidas, não obstante essa seja uma solicitação enviada via ofício pelas lideranças das comunidades atingidas à FGV e às Instituições de Justiça. É importante pontuar que estas pessoas atingidas não estão esperando desde novembro de 2021, mas desde a ocorrência do crime-desastre em Brumadinho e vêm sofrendo diariamente as consequências do ocorrido. Ou seja, desde 25 de janeiro de 2019. Mais de 3 anos se passaram sem que elas tivessem qualquer resposta do poder público e da empresa violadora.”

Guaicuy trabalha para que o diálogo seja levado às pessoas atingidas 

Reafirmando seu compromisso com as comunidades atingidas pelo crime-desastre da Vale em Brumadinho, o Instituto Guaicuy segue trabalhando para garantir a participação informada no processo de busca pela Reparação Integral. Por isso, um plano de divulgação desta resposta que o Comitê de Compromitentes enviou já está  em ação. 

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Foto: João Carvalho / Instituto Guaicuy

Todo o conteúdo pode ser conferido nos canais digitais da ATI e também foi enviado aos grupos das comunidades atingidas. Para Frederico Siman, Assessor Chefe da Gerência de Campo e Operações Inter-Regionais, “o ofício representa um reconhecimento do corpo coletivo de pessoas atingidas que enviou as cartas e um reconhecimento da legitimidade deste corpo em fazer cobranças e reivindicar a efetivação dos direitos”, destaca.

As cartas foram escritas pelas pessoas atingidas que participaram dos encontros de formação em Direitos promovidos pelo Guaicuy em 2021. “Resultado de um trabalho contínuo de mobilização e do compromisso com as pessoas. Esta é uma evidência de que juntas e juntos somos mais fortes”, celebra o assessor.

Clique nos links e leia as cartas de reivindicações das pessoas atingidas: 

Pompéu e Curvelo 
Abaeté, Paineiras e Povo Kaxixó
Felixlândia
Morada Nova de Minas e Biquinhas
Três Marias e São Gonçalo de Abaeté

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