O Instituto Guaicuy realizou pesquisas na área da saúde e apresentou resultados em evento virtual: pessoas atingidas relatam aumento de doenças e dificuldade de acesso a serviços públicos de saúde, que também foram drasticamente impactados.
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, garante o texto da Constituição Federal de 1988.
A edição do 6º Fórum Regional das Pessoas e Comunidades Atingidas da Região 5, que aconteceu virtualmente na última quarta (26), trouxe a temática “saúde e acesso a serviços públicos de saúde” para discussão a partir dos resultados de pesquisas realizadas pelo Instituto Guaicuy.
“Saúde é tudo, tem que ter saúde para estar bem.”
“Saúde é direito de qualquer humano, é o bem mais importante, tem que preservar.”
“Saúde é bem-viver, é alegria.”
“Saúde é paz, é vida, é qualidade de vida”
“Saúde é ter comida de qualidade na mesa.”
(fala das pessoas atingidas das regiões 4 e 5 em atendimentos de saúde realizados pelo Guaicuy)
Essas e outras falas das próprias pessoas atingidas abriram o fórum, que foi conduzido pela equipe de Saúde e Assistência Social do Guaicuy e contou com participantes de Morada Nova de Minas, Abaeté, Biquinhas, Paineiras, Três Marias, Felixlândia e São Gonçalo do Abaeté.
As pesquisas e principais resultados
Entre os estudos realizados pelo Guaicuy estão a Pesquisa em Saúde, no qual foram feitas entrevistas com pessoas atingidas, profissionais de saúde e secretários municipais de saúde; e a Pesquisa Domiciliar, na qual foram feitas 2280 entrevistas com pessoas atingidas. Ambas trazem dados relevantes sobre a situação de saúde e o acesso aos serviços públicos de saúde nas regiões 4 e 5 que foram afetadas pelo rompimento da barragem da Vale, ocorrido em 2019.
A equipe de Saúde e Assistência Social lembrou que os resultados das pesquisas em questão já estão sendo mostrados para as comunidades desde o mês de maio/22 e que, em paralelo, estão sendo publicados boletins de saúde para orientar as pessoas atingidas.
- Saúde física:
Pessoas atingidas relataram o surgimento ou agravamento de alterações na pele após o rompimento. Manchas nas costas e virilha, coceiras, vermelhidão, feridas no couro cabeludo e nas crianças que frequentavam a represa são os principais sintomas relatados pelas pessoas atingidas da Região 5.
Secretários municipais de saúde e profissionais da área que responderam a pesquisa também relataram o aumento de doenças de pele no período pós rompimento. Houve ainda o aumento/agravamento de problemas gastro-intestinais – com relatos de diarréia, vômito e náuseas – e de doenças transmissíveis – como dengue e leishmaniose, em função da alteração ambiental e possível crescimento dos vetores, os mosquitos – e doenças crônicas – como hipertensão, diabetes e doença renal.
Problemas semelhantes já haviam sido observados nas comunidades ao longo do Rio Doce, após o rompimento da barragem em Mariana.
- Saúde mental
Marcus Lepesqueur, psicólogo do Guaicuy, falou sobre a situação da saúde mental na região 5 e menciona que na pesquisa há diversos relatos sobre sentimentos de ansiedade, medo, preocupações e demais danos relativos à saúde mental.
Resultados da pesquisa em saúde apontam que, aproximadamente, 1 a cada 3 pessoas na região 5 foram severamente afetadas em sua saúde mental pelo rompimento da barragem e 1 em cada 5 apresentou sintomas relacionados à depressão. Há relatos de aumento de níveis de estresse, alterações no sono e aumento do uso de álcool e outras drogas. Alguns desses problemas afetam mais significativamente as mulheres do que os homens.
Impacto nos serviços públicos de saúde
Quando analisados os dados do Sistema Único de Saúde (SUS), antes e após o rompimento da barragem, nota-se que o SUS também está pressionado, afirmam os profissionais do Guaicuy que conduziram o encontro. Os problemas decorrentes do rompimento impactam no aumento e no tipo de demandas para esses serviços.
Houve relatos de aumento da fila para atendimento e realização de exames, de falta de medicamento, suspensão ou paralisação dos serviços de saúde em algumas comunidades, além do aumento de gastos com transporte para acessar serviços de saúde.
Houve aumento das despesas municipais com saúde ao observar os dados dos sistemas de informação. Secretários de saúde relataram a contratação de especialistas, como psicólogos e médicos dermatologistas, além do aumento de demandas por exames de imagem e medicamentos. Os atendimentos em saúde no pós rompimento superaram a série histórica.
Reação em cadeia
Com o sistema público de saúde impactado, as pessoas notaram piora do acesso aos serviços e aumento da procura por atendimento em saúde após o rompimento da barragem.
A dificuldade e a demora de acesso a serviços públicos de saúde direcionados aos problemas característicos do pós-rompimento, impactaram, por sua vez, na renda familiar: estando sobrecarregado o sistema de saúde público local, as pessoas procuram serviços de saúde particulares em outras localidades.
Nesse sentido, as pessoas relatam gastos extras com medicamentos não fornecidos pelo SUS, com transporte para outras localidades à procura de especialistas e com a realização de exames, além de gastos com hospedagem, alimentação e acompanhante em serviços de saúde.
Pessoas atingidas cobram providências
As pessoas atingidas da região 5 que participaram do encontro manifestaram indignação e revolta em relação aos resultados das pesquisas na região: “estamos com os relatórios, os resultados, o problema está aí! Como não falam com a gente que a água da nossa região está contaminada? Não temos acesso à água de qualidade, não temos água mineral! Precisamos dar um jeito! Nós não somos ignorantes não, conhecemos muito bem nosso rio, nossa água, nosso peixe!”
Pedro Aguiar, Assessor de Comunidades e Indivíduos do Guaicuy, reforça que o papel da ATI é dar suporte e fornecer informações. Ele incentiva que as pessoas relatem suas questões ao Instituto para que haja registro e dados para continuar encaminhando para outras instâncias, a exemplo das Instituições de Justiça.
Juliana Leal cobra organização de reuniões das pessoas atingidas com os órgão de saúde, a fim de que sejam ouvidos em relação aos problemas de saúde relatados: “ninguém escuta nem se importa conosco, a situação tá muito precária! Só quem nos ouve é o Guaicuy!”
Assista o vídeo completo do 6º Fórum: