Na última quarta-feira (31), aconteceu, de forma virtual, o 4º Fórum Regional das Pessoas e Comunidades Atingidas da região 5, voltado para as comunidades de Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias. A mesma atividade também aconteceu no dia 30 de agosto, com os resultados relacionados às comunidades de Pompéu e Curvelo.
Organizado pelas equipes de Pesquisa em Ciências Sociais e Ciências Agrárias, o encontro contou com a participação de mais de 80 pessoas atingidas e teve como objetivo dialogar sobre a Pesquisa Domiciliar e a cartografia com pescadoras e pescadores, ambos estudos realizados pelo Guaicuy.
Para Pedro Aguiar, Assessor de Comunidades e Indivíduos do Guaicuy, os fóruns organizados pelo Instituto têm como proposta ser um espaço de diálogo com as comunidades das regiões 4 e 5 sobre temas urgentes que fazem parte do cotidiano das pessoas atingidas: “É um dos espaços de construção de trabalho participativo e, por ser virtual, consegue romper as distâncias geográficas e unir as comunidades em um único espaço”.
A Pesquisa Domiciliar analisou os impactos sociais, econômicos, culturais e ambientais provocados ou intensificados pelo rompimento da barragem da Vale, com o objetivo de fornecer informações para a busca de direitos das pessoas atingidas. Já a cartografia com os pescadoras e pescadores buscou entender mais sobre a pesca na região 5 e os danos ocasionados nesta prática pelo rompimento.
Assista ao vídeo completo sobre o Fórum para as comunidades da região 5:
4º Fórum Regional da região 5: a Pesquisa Domiciliar
A Pesquisa Domiciliar é um estudo realizado pelo Instituto Guaicuy que busca caracterizar o perfil das regiões 4 e 5 para, então, mapear os danos sofridos pelas comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Vale S.A, ocorrido em Brumadinho em janeiro de 2019.
Michelle Santos, da equipe de Ciências Sociais do Guaicuy, endossa que a Pesquisa Domiciliar busca garantir a participação das pessoas que, há mais de três anos, convivem com as consequências do rompimento da Vale: “é também um instrumento que o Guaicuy utiliza para não apenas caracterizar as comunidades, mas para estarmos mais próximos das pessoas atingidas. É um momento de estarmos dentro das casas, de construir um momento ‘olho no olho’, escutando a realidade e promovendo a participação das pessoas atingidas”.
Na região 5, a pesquisa foi realizada entre os meses de novembro de 2021 a janeiro de 2022, a partir do mapeamento dos municípios de Abaeté, Felixlândia, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias; ao todo, foram percorridas 48 comunidades. Para o estudo, após um mapeamento de mais de 6 mil pessoas atingidas, 2.280 foram entrevistadas para levantamentos sobre os impactos sociais, econômicos, culturais e ambientais provocados ou intensificados pelo rompimento.
Dados como gênero, idade, rendimento médio mensal do domicílio foram estudados, o que possibilitou, por exemplo, a identificação de uma queda nas atividades produtivas das pessoas atingidas: agricultura (-55,76%); pesca e atividades (-70,31%); extrativismo (-56,78%), agroindústria (-67,10%). Resultados da Pesquisa Domiciliar também apontam que aproximadamente 1 em cada 3 pessoas economicamente ativas dos domicílios entrevistados sofreram com diminuição de renda decorrente do rompimento.
Cartografia Social com pescadores e pescadoras
A Cartografia Social é uma das metodologias de estudo do Instituto Guaicuy aplicadas para a caracterização dos territórios e identificação dos danos nas comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Vale. Ao mesmo tempo, espelha as relações comunitárias e dinâmicas sociais, como o trabalho com a pesca desenvolvido por pescadoras e pescadores.
Por isso, a metodologia possibilita às pessoas atingidas retratar e reconhecer, por meio de mapas elaborados coletivamente, os aspectos de lugar, trabalho e modos de vida, como explica Gabriel Dayer, da equipe de Ciências Agrárias: “Na hora que colocamos o ‘social’ na frente de cartografia, não falamos de mapas oficiais, mas daqueles construídos pelas comunidades a partir de suas vivências, trabalho e da vida no território. E foi isso que o Guaicuy fez: propomos para as comunidades a construção desses mapas para entender as atividades da pesca e, enquanto desenhavam, fomos conversando sobre a vida e sobre os impactos do rompimento”.
A cartografia social com pescadoras e pescadores permitiu ao Guaicuy identificar mudanças nos locais de pesca, relatos de alterações na qualidade dos peixes, entender como era o cotidiano de trabalho com as águas e compreender os conhecimentos das pessoas na realização dos seus ofícios. Entre os resultados da metodologia, estão a queda da comercialização dos peixes devido à má fama deste alimento; enfraquecimento no turismo afetando também as relações comunitárias; insegurança com relação à qualidade da água, além do indício de morte de peixes.
Romildo, morador de Barra do Paraopeba, comenta a realidade vivida na comunidade: “essa tragédia continua afetando muito a gente. O pessoal tem medo de consumir o peixe, a renda diminuiu e muita gente teve que abandonar a pesca e buscar outros recursos. Os compradores sumiram, as contas só aumentam. Temos conhecimento da água e só de bater o olho a gente sabe que tá diferente, eu creio que essa água tem afetado demais a gente”, afirma.
Silvana, moradora de Paraíso, complementou a preocupação com a renda e o comprometimento da pesca: “Tenho 42 anos, há 30 anos sou pescadora. Nunca passei a dificuldade que estamos passando agora com a venda do peixe, a diminuição da renda. Todos nós estamos enfrentando e eu, particularmente, tenho passado muita dificuldade com isso”.
Os relatos das pessoas atingidas resultaram em um mapa mental, em que foram organizadas as mudanças e prejuízos às suas vidas em categorias e sub eixos: “Além disso, a sistematização desses danos nos orientam na construção da Matriz de Danos e Reconhecimento, e também na elaboração em conjunto com as outras duas Assessorias Técnicas Independentes (Aedas e Nacab)”, pontua Thais Moura, da equipe de Ciências Agrárias.
Na região 5 Leste (Felixlândia, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias), foram identificadas cinco categorias de danos: produção, trabalho e renda; danos relacionados à vida humana, integridade e saúde; danos relacionados à honra e ao processo de reparação; meio ambiente, relações comunitárias e território; e bens móveis e imóveis. Já na 5 Oeste (Abaeté, Biquinhas, Martinho Campos, Morada Nova de Minas e Paineiras), foram três as categorias identificadas: produção, trabalho e renda; danos relacionados à honra e ao processo de reparação; e meio ambiente, relações comunitárias e território.
A Matriz de Danos e Reconhecimento é um documento que ajuda a identificar os danos individuais sofridos, suas formas de comprovação e as referências de valores indenizatórios justos, para que o direito à indenização individual mais justa possa ser reivindicado. No processo de reparação, a cartografia também contribui para construção e fortalecimento do diálogo com grupos locais para identificação dos danos sofridos, além da elaboração de uma série de boletins informativos.