No encontro, pessoas da região 4 foram eleitas para representar moradores destas regiões atingidas pela Vale na 17ª Conferência Estadual de Saúde, que ocorrerá em julho
Organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), a 2ª Conferência Livre de Saúde das Pessoas Atingidas aconteceu no dia 01º de abril, em Betim (MG), e teve como proposta ouvir relatos de pessoas atingidas de comunidades ao longo da Bacia Paraopeba e da região da Represa de Três Marias. Essas localidades são forçadas a conviver, desde o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019, com incontáveis consequências que modificaram os modos de vida, a saúde, o trabalho e a renda das comunidades, e impactaram profundamente o meio ambiente.
Com a temática “Saúde das pessoas atingidas: viver em território contaminado”, a atividade contou com a presença de mais de 160 pessoas e funcionou, também, como uma preparação de levantamento de demandas e encaminhamentos para a 17ª Conferência Nacional de Saúde, que será realizada dos dias 2 a 5 de julho.
O Instituto Guaicuy esteve presente na atividade enquanto Assessoria Técnica Independente de moradores das regiões 4 (Pompéu e Curvelo) e 5 (região da Represa de Três Marias e comunidades do São Francisco localizadas nos municípios de Três Marias e São Gonçalo do Abaeté). O instituto foi representado por Paula Mota, especialista em Risco à Saúde Humana.
Para a especialista, um dos pontos de destaque da 2ª Conferência foi a intensa participação das pessoas atingidas, que deram tom diverso à atividade ao compartilharem histórias de vidas impactadas pela barragem da Vale: “foi muito significativo pela quantidade de pessoas atingidas que participaram, pessoas de comunidades ao longo do Paraopeba. Foi também essencial a participação da representante do Conselho Estadual de Saúde, que também se considera atingida pela barragem de Congonhas, que não se rompeu, mas causou impactos. Por isso, ela vai se juntar à luta das pessoas atingidas pela Vale”.
Além do Guaicuy, as outras Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que dão suporte às vítimas da Vale, Aedas (regiões 1 e 2) e Nacab (região 3), também estiveram presentes. Também participaram do evento representantes do MAB; do Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais e do Conselho Regional de Psicologia.
Durante o dia, pessoas atingidas compartilharam vivências em relação às mudanças nos modos de vida e as percepções de alterações nas saúde física e mental desde o desastre-crime da Vale.
Denúncias e relatos que abordam a questão da saúde nas comunidades, além da atual situação da água ao longo da Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias, também foram compartilhados. Os debates construídos durante a conferência deram suporte para a elaboração de propostas de ações e políticas públicas na área da saúde, que serão encaminhadas para o Governo Federal, enquadradas nos eixos:
I. O Brasil que temos. O Brasil que queremos;
II. O papel do controle social e dos movimentos sociais para salvar vidas;
III. Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia;
IV. Amanhã vai ser outro dia para todas as pessoas;
V. A saúde das pessoas atingidas: viver em ambiente contaminado.
Eleição de representantes das regiões atingidas
Um dos momentos importantes da 2ª Conferência Livre de Saúde foi a “Fila do Povo”, ocasião em que as pessoas atingidas inscritas, representantes de 13 municípios das quatro regiões da Bacia do Paraopeba, compartilharam a situação da saúde nas comunidades prejudicadas.
Grande parte dos relatos envolveram a presença de dermatites e alterações na saúde mental; falta de acesso à água em quantidade e qualidade, insegurança em relação ao peixe e à renda oriunda da pesca; contaminação ambiental, presença de metais no sangue e urina acima do permitido pela legislação; além da falta de acesso, cobertura e qualidade dos serviços públicos de saúde.
Sobre a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, Anderson da Silva, morador da comunidade de Angueretá, a 63 quilômetros de Curvelo, compartilha que essa é uma das principais queixas da comunidade em que vive. Anderson esteve presente na conferência e foi eleito representante da região 4 (Pompéu e Curvelo) para participar da 17ª Conferência Estadual de Saúde, que será realizada em julho: “A maior dificuldade é porque moramos longe da sede do município, não temos tanta assistência na saúde. As comunidades que ficam próximas à sede do município até tem uma assistência mais ágil, mas pra gente é muito difícil marcar uma simples consulta: a médica só vai na minha comunidade uma vez por semana e atende 10 senhas. Por isso, o nosso foco na Conferência Estadual, por mais que tenhamos que seguir um protocolo, será questionar a falta de acesso à saúde nos municípios – e não somente na área 4, na área 5 também”, afirma.
Para Anderson, além de compartilhar danos observados desde o rompimento da barragem da Vale e propor encaminhamentos para a saúde das pessoas atingidas, momentos como os da conferência são essenciais para conhecer as demandas dos demais territórios atingidos: “Uma das coisas mais importantes foi poder compartilhar conhecimento com as outras comissões. Na maioria das vezes, a gente não sabe o que está acontecendo em outras comunidades. Quando a gente ouve a realidade do outro, entende as reclamações e divide também o que estamos vivendo, a gente fortalece a nossa luta”.
Nívea Almeida, moradora da comunidade de Cachoeira do Choro, em Curvelo, também entende os encontros com outras pessoas atingidas como momentos de fortalecimento das lutas que todos têm em comum. Apesar de serem comunidades ao longo da bacia do Paraopeba, o sofrimento com as consequências do desastre da barragem da Vale une as populações: “E o que mais me preocupa nisso tudo é, de enchente em enchente, os rejeitos voltarem para a superfície e margens dos rios. Mais preocupante que isso, é o ar que respiramos, que é puro rejeito tóxico. Isso não só onde eu moro, ouvimos relatos que muitas comunidades passam por isso também. Essa poeira de rejeito vai para o pulmão e pode gerar muitas doenças. Por isso eu perguntei [na Conferência] o que temos hoje, o que temos planejado para amanhã e para o futuro [sobre os serviços de saúde]”, relata.
Uma das principais cobranças de Nívea, durante a atividade, foi a capacitação dos profissionais de saúde nos pronto-atendimentos, UPAS e hospitais: “É essencial ter um médico que saiba como atender uma pessoa atingida. Os municípios já deveriam estar trabalhando nisso, ao invés de esperar que a gente adoeça ainda mais, que a situação da saúde nos municípios se complexifique ainda mais, para aí sim montar um plano de ação”.
Protocolo especializado para pessoas atingidas no SUS é ponto de discussão
Um dos resultados da 2ª Conferência em Saúde foram os encaminhamentos relacionados ao tema e que envolvem o cotidiano das pessoas atingidas por barragens, em especial um protocolo de atendimento para o Sistema Único de Saúde (SUS), direcionado para pessoas atingidas por empreendimentos minerários, juntamente com um protocolo de qualificação dos serviços de saúde e a qualificação dos profissionais para que consigam atender as demandas específicas das populações atingidas.
Uma das principais reivindicações das comunidades atingidas pelo desastre-crime da Vale é a atenção especial nos serviços de saúde. Profissionais capacitados para atender as demandas que surgem a partir da convivência com as consequências de um rompimento (como a contaminação), a facilidade de acesso a exames e diagnósticos, e o acompanhamento dos tratamentos são as principais necessidades. Entretanto, atualmente, o SUS não possui um protocolo específico de atendimento para as pessoas atingidas por rompimentos de barragens.
Outros encaminhamentos da 2ª Conferência Livre em Saúde
- Independência das Assessorias Técnicas Independentes para que consigam realizar estudos e levantamentos relacionados aos danos provocados pelo rompimento da barragem da Vale;
- independência dos Estudos de Risco, para que não seja vinculado à Vale;
- volta da perícia técnica realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais, com dados primários da saúde;
- profissionais de saúde qualificados para que consigam atender demandas das pessoas atingidas;
- segurança hídrica e segurança alimentar para as populações atingidas por barragens.
Conferências de Saúde: espaços de discussão colocam em pauta a situação da saúde no Brasil
Na segunda edição da conferência, foram debatidos questões atuais das políticas públicas que envolvem a saúde no Brasil — discussões que constroem um olhar global sobre os serviços de saúde e colocam em pauta os avanços, entraves e melhorias que podem ser construídas no país.
Na 2ª Conferência, representantes do Conselho Estadual de Saúde (CES-MG) abordaram os principais programas do Ministério da Saúde que foram extintos, o que agrava a problemática do acesso à saúde pública no país: o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) foram alguns dos exemplos; além dos projetos de sucateamento e de privatização do Sistema Único de Saúde (SUS), adotadas por governos alinhados ao neoliberalismo.
A cada quatro anos, as conferências de saúde são convocadas pelo Poder Executivo ou extraordinariamente pelos Conselhos de Saúde ou, ainda, por outras conferências. Essas atividades são reuniões entre profissionais de saúde, gestores e pesquisadores e, especialmente, usuários do SUS — que aprofundam as discussões ao compartilharem informações sobre o cotidiano do serviço.
A proposta é promover a participação e controle social nas políticas públicas. Nessas conferências, são elaboradas propostas de melhoria ou mudanças das ações do Estado com relação à saúde, tanto em nível municipal, estadual ou federal.
Conferências municipais e livres de saúde são etapas preparatórias, uma vez que elegem as propostas que serão levadas às conferências estaduais e à nacional, assim como as pessoas que irão participar com voz e voto nessas conferências, que são chamados de delegados.
Na 2ª Conferência, foram eleitos os delegados Anderson Silva, morador de Angueretá; e Nivea Almeida, delegada suplente, moradora da Comunidade de Cachoeira do Choro, em Curvelo. Ambos terão a responsabilidade de levantar as principais demandas das comunidades das regiões 4 e 5, relacionadas à saúde, e representá-las na Conferência Estadual.